Da menina que nasceu azul,
Conto-te esta breve história.
Sei que foi em dia de sol…
Até o céu
Se abriu no espaço,
Até ele
Se manchou de glória.
Por entre os sete mares
Se espalharam; Aí e
Em todos os lugares,
Violentas ondas
em sua memória.
Assim nasceu,
Tão alegre…
Uma bela tela…
Era o que ela
Me parecia.
Com o seu cheiro
A maresia,
Amarela e só de alma.
Assim cresceu,
Tão sonhadora…
Rodava o universo
Na sua palma.
E ao passar, todos lhe diziam
“Não vás!”.
Os desassossegados,
Esses faziam tudo aquilo que podiam
Porque sentimento fútil
Não a satisfaz.
Enjaulados,
Os homens tremiam!
Piores que loucos
Repetiam
“Olha o diabo que a moça traz!”.
Mas ela nem ouvia…
Sonhava, e não caía;
Voava; pela sua própria asa.
Como o verde, florescia
Uma flor dentro de mim.
E assim ela crescia,
Fosse de noite; fosse de dia;
Não se molhava em água rasa.
Menina nobre,
De ti brotou
Tanta bondade
Que se espalhou.
Ofereceste-a! A quem passava.
Nem um cêntimo
Sequer cobrou.
Menina pura,
Que se isolava,
Nunca tirava
O pé da estrada.
E mais azul ela ficou.
Com aparências?
Não se importava.
Tudo o que tinha, ela doou.
Manteve a essência,
Essa brilhava,
Tornou-se estrela
Que nunca apagou.
Tanto azul!
Que a matava…
Então outra cor ela criou.
Em balanço perfeito
Com a água
Nasceu uma cor
Que a transformou.
Agora,
Menina de fogo,
Apaixonada!
E avermelhada ela ficou.
O azul é triste,
E o vermelho engana,
Então a Terra ela explorou.
Num vulcão ardia
A sua gémea-chama
Aquela cor vermelha
Que a fascinou.
Forjou-se; de rocha vulcânica,
E só mais forte isso a tornou.
Lá conheceu
A bela cigana,
Deusa da montanha,
Que a salvou.
Juntou todo o amor
Que a inspirava
E à raça humana regressou.
Menina ingénua!
Chora desolada;
Porque o humano a roubou.
Cor azul; e avermelhada,
Mas que bonito roxo
Que dela jorrou.
Menina pura! destroçada,
Pela ganância de quem não vê nada…
Foi ao mundo que se entregou.
Assim espelhava; como ouro,
A sua pequena alma dourada
Que deu início a esta balada.
Ah!...
É de ti que falo, minha amada,
O meu maior tesouro.
Eterna flecha em mim marcada,
Amor real e duradouro.
Mas o humano triste; insaciado
Que antes de mim a encontrou!
Que nem por ela dar de graça…
Nem assim ele a poupou!
Quis o tesouro de mão beijada,
E pouco ou nada se esforçou.
Daqui veio a desgraça,
De quem esta história narrou.
Foi à noite, na madrugada…
Como um cobarde! Que a apanhou.
Foi arrogância ou maldade?
Qual o motivo que o levou?!
A devorar pela calada
O coração puro
Da minha menina aprisionada
Que nunca mais se recuperou.
A menina ri alto;
Gargalhadas loucas ao vento;
Ali encostada, envolta em tormento,
Segura o peito; completamente esvaziada
por dentro.
E o desumano,
Que fez o assalto,
Vira cinza; não sobra nada.
Escorrem-me as lágrimas pela cara…
Rios de tom arroxeado.
Menina azul, vermelha e rara
Peço-lhe: “Fica! Só mais um bocado”.
Ela ouve-me; e sorri.
Existe afinal alguém que a ama!
Diz-me: “Todos os perigos
Que corri,
Todo o amor
Que ofereci,
É o que me torna
Tão humana”.
Penso que a entendi.
Senti a sua dor como se fosse a minha,
Foi por ambas que sofri.
“Há coisas que não podem ser roubadas.
Sobrevivem à guerra, estagnadas…
Mas ficam as memórias assombradas.
Casas em ruína, muros de pedra,
Envolvem as pessoas arrombadas.”
Ah!...
Afinal, foi nesta Terra
Onde descobri
Que quem não morre,
Sempre quebra.
Há preciosidades que só podem ser dadas…
Sem qualquer valor que lhes possa ser afixado.
E ao ladrão da cor, a esse *******!
Está o inferno destinado!
Pois o humano; ser desgraçado;
É monstro que se apodera; e as desfaz.
Nem seque olha para o que está ao lado…
Tanta crueldade, numa mente tão pequena,
Torna-o um bicho incapaz.
"Meu pequeno ser azulado!
A diferença que isto me faz…
Deita-te aqui, esquece o pecado,
Enquanto quente ainda estás.
Vou viajar, para o outro lado,
E vais passar um mau bocado
Mas isto é apenas um até já.
Meu pequeno ser avermelhado!
Não deixes que essa raiva te consuma.
Lembra-te! Do nosso tom arroxeado,
Do céu, da montanha e do mar.
Olha sempre à tua volta,
Eu estou em todo o lugar.
Que me vejas! Por entre a bruma,
A passar pelo rochedo.
A deixar na praia a minha espuma…
Será esse o nosso segredo.
Ao teu ouvido, eu vou soprar.
Exatamente do meu jeito.
E ao teu ouvido, eu vou falar
Como te fala o búzio
Que carregas ao peito.
Numa linguagem única, por nós escrita,
Escrevo-te um poema; e está perfeito.
Ouve o silêncio quando me quiseres chamar
Para me perguntares o que tenho eu feito.
Se não obtiveres resposta
Naquele exato momento,
E o desespero te abraçar;
Não é porque estou morta,
Inspira-me no vento;
Apesar do meu corpo morto estar.
É que a minha alma insurreta,
Que pela curiosidade se desperta,
Decidiu que uma volta ela queria dar.
Mas é no teu peito, minha poeta,
O lugar! Onde dorme a tua alma
Também inquieta.
A casa, a doce casa,
A que ela decide sempre regressar.
Como a andorinha,
Que carrega a primavera
Na sua pequena asa,
Assim, para ti, eu vou chegar.
Ouve o som do meu cantar,
De ramo em ramo a saltitar…
E até a chuva, que sempre passa,
Cai aos teus pés e fica em brasa
Com o calor do amor intenso
Que ainda iremos partilhar."