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Danielle Furtado Nov 2014
Nasceu no dia dos namorados. Filho de mãe brasileira com descendência holandesa e pai português. Tinha três irmãos: seu gêmeo Fabrício, o mais velho, Renato, e o terceiro, falecido, que era sua grande dor, nunca dizia seu nome e ninguém se atrevia a perguntar.
A pessoa em questão chamaremos de Jimmy. Jimmy Jazz.
Jimmy morava em Portugal, na cidade de Faro, e passou a infância fazendo viagens ao Brasil a fim de visitar a família de sua mãe; sempre rebelde, colecionava olhares tortos, lições de moral, renegações.
Seu maior inimigo, também chamado por ele de pai, declarou guerra contra suas ideologias punk, seu cabelo que gritava anarquismo, e a vontade que tinha ele de viver.
Certo dia, não qualquer dia mas no natal do ano em que Jimmy fez 14 anos, seu pai o expulsou de casa. Mais um menino perdido na rua se tornou o pequeno aspirante à poeta, agora um verdadeiro marginal.
Não tinha para onde ir. Sentou-se na calçada, olhou para seus pés e agradeceu pela sorte de estar de sapatos e ter uma caneta no bolso no momento da expulsão, seu pai não o deixara com nada, nem um vintém, e tinha fome.
Rondou pelas mesmas quadras ao redor de sua casa por uns dias, até se cansar dos mesmos rostos e da rotina daquela região, então tomou coragem e resolveu explorar outras vidas, havia encontrado um caderno em branco dentro de uma biblioteca pública onde costumava passar o dia lendo e este seria seu amigo por um bom tempo.
Orgulhoso, auto-suficiente, o menino de apenas 14 anos acabou encontrando alguém como ele, por fim. Seu nome era Allan, um punk que, apesar de ainda ter uma casa, estava doido para ir embora viver sua rotina de não ter rotina alguma, e eles levaram isso muito à sério.
Logo se tornaram inseparáveis, arrumaram emprego juntos, que não era muito mas conseguiria mantê-los pelo menos até terminarem a escola, conseguiram alugar uma casa e compraram um cachorro que nunca ganhou nome pois não conseguiam entrar em acordo sobre isso, Jimmy tinha também um lagarto de estimação que chamava de Mr. White, sua paixão.
Os dois amigos começaram a frequentar o que antes só viam na teoria: as festas punk; finalmente haviam conseguido o que estavam procurando há tempos: liberdade total de expressão e ação. Rodeados por todos os tipos de drogas e práticas sexuais, mas principalmente, a razão de todo o movimento: a música.
Jimmy tinha inúmeras camisetas dos Smiths, sua banda favorita, e em seu quarto já não se sabia a cor das paredes que estavam cobertas por pôsteres de bandas dos anos 80 e 90, décadas sagradas para qualquer amante da música e Jimmy era um deles, sem dúvida.
Apesar da vida desregrada que levava com o amigo, Jimmy conseguiu ingressar na faculdade de Letras, contribuindo para sua vontade de fazer poesia, e Allan em enfermagem. Os dois, ao contrário do que seus familiares pensavam, eram extremamente inteligentes, cultos, criaram um clube de poesia com mais dois ou três amigos que conheceram em uma das festas e chamaram de "Sociedade dos Poetas Mortos... e Drogados!", fazendo referência ao filme de  Peter Weir.
O nome não era apenas uma piada entre eles, era a maior verdade de suas vidas, eles eram drogados, Jimmy  era viciado em heroína, Allan também mas em menos intensidade que seu parceiro.
Jimmy não era hétero, gay, bissexual ou qualquer outra coisa que se encaixe dentro de um quadrado exigido pela sociedade, Jimmy era do amor livre, Jimmy apenas amava. E com o passar o tempo, amava seu amigo de forma diferente, assustado pelo sentimento, escondeu o maior tempo que pôde até que o sentimento sumisse, afinal é só um hormônio e a vida voltaria ao normal, mas a amizade era e sempre seria algo além disso: uma conexão espiritual, se acreditassem em almas.
Ambos continuaram suas vidas sendo visitados pela família (no caso de Jimmy, apenas sua mãe) duas vezes ao ano, no máximo, e nesses dias não faziam questão de esconderem seus cigarros, piercings ou qualquer pista da vida que levavam sozinhos, afinal, não os devia mais nada já que seus vícios, tanto químicos quanto musicais, eram bancados por eles mesmos.
Era 14 de fevereiro e Jimmy completara 19 anos, a vida ainda era a mesma, o amigo também, mas sua saúde não, principalmente sua saúde mental.
O poeta de sofá, como alguns de nós, sofria de um existencialismo perturbador, o mundo inteiro doía no seu ser, e não podia fazer muito sobre aquilo, afinal o que poderia fazer à respeito senão escrever?
Até pensou em viver de música já que tocava dois instrumentos, mas a ideia de ter desconhecidos desfrutando ou zombando dos seus sentimentos mais puros não lhe era agradável. Continuou a escrever sobre suas dores e amores, e se perguntava por que se sentia daquela forma, por que não poderia ser como seu irmão que, apesar de possuírem aparência idêntica, eram extremos do mesmo corpo. Fabrício era apenas outro cidadão português que chegava em casa antes de sua mãe ficar preocupada, não que ele fosse um filho exemplar, ele só era... normal, e era tudo que Jimmy não era e jamais gostaria de ser; aliás, ter uma vida comum era visto com desprezo pelos olhos dele, olhos que, ainda tão cedo, haviam visto o melhor e o pior da vida, já não acreditava em nada, nem em si mesmo, nem em deus, nem no universo, nem no amor.
Como poderia alguém amar uma pessoa com tanta dor dentro de si? Como ele explicaria sua vontade de morrer à alguém que ele gostaria de passar a vida toda com? Era uma contradição ambulante. Uma contradição de olhos azuis, profundos, e com hematomas pelo corpo todo.
Aos 20 anos, o tédio e a depressão ainda controlavam seu estado emocional a maior parte do tempo, aos domingos era tudo pior, existe algo sobre domingo à tarde que é inexplicável e insuportável para os existencialistas, e para ele não seria diferente. Em um domingo qualquer, se sentindo sozinho, resolveu entrar em um chat online daqueles famosos, e na primeira tentativa de conversa conheceu uma moça do Brasil, que como ele, amava a banda Placebo e sendo existencialista, também sofria de solidão, o que facilitou na construção dos assuntos.
Ela não deu muita importância ao português que dizia "não ser punk porque punks não se chamam de punks", já estava cansada de amores e amizades à distância, decidiu se despedir. O rapaz, insistente e talvez curioso sobre a pessoa com quem se deparara por puro acaso, perguntou se poderiam conversar novamente, e não sabendo a dor que isso a causaria, cedeu.
Assim como havia feito com Allan, Jimmy conquistou Julien, a nova amiga, rapidamente. De um dia para o outro, se pegou esperando para que Jimmy voltasse logo para casa para que pudessem conversar sobre poesia, música, começo e fim da vida, todos os porquês do mundo em apenas uma noite, e então perceberam que já não estavam sozinhos, principalmente ela, que havia tempo não conhecia alguém tão interessante e único quanto ele.
Não demorou muito para que trocassem confidências e os segredos mais íntimos, mas nem tudo era tão sério, riam juntos como nunca antes, e todos sabem que o caminho para o coração de uma mulher é o bom humor, Julien se encontrava perdidamente apaixonada pelo ****** que conhecera num site de relacionamentos e isso se tornaria um problema.
Qualquer relacionamento à distância é complicado por natureza, agora adicione dois suicidas em potencial, um deles viciado em heroína e outra que de tão frustrada já não ligava tanto para sede de viver que sentia, queria apenas ler poesia longe de todas as pessoas comuns, essas que ambos abominavam.
Jimmy era todos os ídolos de Julien comprimidos dentro de si. Ele era Marilyn Manson, era Brian Molko, era Gerard Way, Billy Corgan, Kurt Cobain, mas acima de todos esses, Jimmy era Sid Vicious e Julien sonhava com seus dias de Nancy.
Ele era o primeiro e último pensamento dela, e se tornou o tema principal de toda as poesias que escrevia, assim como as que lia, parecia que todas eram sobre o luso-brasileiro que considerava sua cópia masculina. Jimmy, como ela, era feminista, cheio de ideologias e viciado em bandas, mas ao contrário dela, não teria tanto tempo para essas coisas.
Estava apaixonado por um rapaz brasileiro, Estêvão, que também dizia estar apaixonado por ele mas nunca passaram disso, e logo se formou um semi-triângulo amoroso, pois Julien sabia da existência da paixão de Jimmy, mas Estêvão não sabia que existia outra brasileira que amava a mesma pessoa perdidamente. Não sentiu raiva dele, pelo contrário, apoiava o romance dos dois já que tudo que importava à ela era a felicidade de Jimmy, que como ela, era infeliz, e as chances de pessoas como eles serem felizes algum dia é quase nula.
O brasileiro era amante da MPB e da poesia do país, assim como amava ouvir pós-punk e escrever, interesses que eram comum aos três perdidos, mas era profissional para ele já que conseguira que seus trabalhos fossem publicados diversas vezes. Se Jimmy era Sid Vicious, Julien desejava ser Nancy (ou Courtney Love dependendo do humor), Estêvão era Cazuza.
Morava sozinho e não conseguia se fixar em lugar algum, estava à procura de algo que só poderia achar dentro dele mesmo mas não sabia por onde começar; convivia com *** há alguns meses na época, mas estava relativamente bem com aquilo, tinha um controle emocional maior do que nosso Sid.
Assim como aconteceu com Allan e Julien, não demorou muito para que Estêvão caísse nos encantos de Jimmy, que não eram poucos, e não fazia mais tanta questão de esconder o que sentia por ele. Dono de olhos infinitamente azuis, cabelo bagunçado que mudava de cor frequentemente, corpo magro, pálido, e escrevia os versos mais lindos que poderia imaginar, Jimmy era o ser mais irresistível para qualquer um que quisesse um bom tema para escrever.
--
Julien era de uma cidade pequena do Brasil, onde, sem a internet, jamais poderia ter conhecido Jimmy, que frequentava apenas as grandes cidades do país. Filha de pais separados, tinha o mesmo ódio pelo pai que ele, mas diferente do amigo, seu ódio era usado contra ela mesma, auto-destrutiva é um termo que definiria sua personalidade. Era de se esperar que ela se apaixonasse por alguém viciado em drogas, existe algo de romântico sobre tudo isso, afinal.
Em uma quarta-feira comum, antecipada por um dia nublado, escreveu:

Minhas palavras, todas tiradas dos teus poemas
Teu sotaque, uma voz imaginada
Que obra de arte eram teus olhos
Feitos de um azul-convite

E eu aceitei.


Jimmy era agora seu mundo, e qualquer lugar do mundo a lembrava dele. Qualquer frase proferida aleatoriamente em uma roda de amigos e automaticamente conseguia ouvir sua opinião sobre o assunto, ela o conhecia como ninguém, e em tão pouco tempo já não precisavam falar muita coisa, os dois sabiam dos dois.
Desejava que Jimmy fosse inteiramente dela, corpo e mente, que cada célula de seu ser pudesse tocar todas as células do dela, e que todos os pensamentos dele fossem sobre amá-la, mas como a maioria das coisas que queria, nada iria acontecer, se achava a pessoa mais azarada do mundo (e provavelmente era).
Em uma noite qualquer, após esperar o dia todo ansiosa pela hora em que Jimmy voltaria da faculdade, ele não apareceu. Bom, ele era mesmo uma pessoa inconstante e já estava acostumada à esse tipo de surpresa, mas existia algo diferente sobre aquela noite, sabia que Jimmy estava escondendo alguma coisa dela pois há dias estava estranho e calado, dormia cedo, acordava tarde, não comia, e as músicas que costumavam trocar estavam se tornando cada vez mais tristes, mas era inútil questionar, apesar da intimidade, ele se tornara uma pessoa reservada, o que era totalmente compreensível.
Após três ou quatro dias de aflição, ele finalmente volta e não parece bem, mesmo sem ver seu rosto, conhecia as palavras usadas por ele em todos os momentos. Preocupada com o sumiço, foi logo questionando sua ausência com certa raiva e euforia, Jimmy não respondia uma letra sequer. Julien deixou uma lágrima escorrer e implorou por respostas, tinha a certeza de que algo estava muito errado.
"Acalme-se, ou não poderei lhe contar hoje. Algo aconteceu e seu pressentimento está mais que correto, mas preciso que entenda o meu silêncio", disse à ela.
Julien não respondeu nada além de "me dê seu número, sinto que isso não é algo que se conta por escrito".
Discando o número gigantesco, cheio de códigos, sabia que assim que terminasse aquela ligação teria um problema muito maior do que a alta taxa que é cobrada por ligações internacionais. Ele atendeu e começou a falar interrompendo qualquer formalidade que ela viria a proferir:

– Apenas escute e prometa-me que não irá chorar.
Ela não disse nada, aceitando a condição.
– Há tempos não sinto-me bem, faço as mesmas coisas, não mudei meus costumes, embora deveria mas agora é tarde demais. Sinto-me diferente, meu corpo... fraco. Preciso te contar mas não tenho as palavras certas, acho que nem existem palavras certas para o que estou prestes à dizer então serei direto: descobri que sou *** positivo. ´
Um silêncio quase mórbido no ar, dos dois lados da linha.
Parecia-se com um tiro que atravessou o estômago dos dois, e nenhum podia falar.
Julien quebrou o silêncio desligando o telefone. Não podia expressar a dor que sentia, o sentimento de injustiça que a deixava de mãos atadas, Ele era a última pessoa do mundo que merecia aquilo, para ela, Jimmy era sagrado.

Apenas uma pessoa soube da nova situação de Jimmy antes de Julien: Allan.
Dois dias antes de contar tudo à amiga, Jimmy havia ido ao hospital sozinho, chegou em casa mais cedo, sentou-se no sofá e quis morrer, comparou o exame médico à um atestado de óbito e deu-se por morto. Allan chegou em casa e encontrou o amigo no chão, de olhos inchados, mãos trêmulas. Tirou o envelope de baixo dos braço de Jimmy, que o segurava como se fosse voar a qualquer instante, como se tivesse que apertar ao máximo para ter certeza de que aquilo era real. Enquanto lia os papéis, Jimmy suplicava sua morte, em meio à lágrimas, Allan lhe beijou como o amante oculto que foi por anos, com lábios fracos que resumiam a dor e o medo mas usou um disfarce para o pânico que sentia e sussurrou "não sinto nojo de ti, meu amigo, não estás morto".
Palavras inúteis. Já não queria ouvir nada, saber de nada. Jimmy então tentou dormir mas todas as memórias das vezes que usou drogas, que transou sem saber com quem, onde ou como, estavam piscando como flashes de luz quase cegantes e sentia uma culpa incomparável, um medo, terror. Mas nenhuma memória foi tão perturbadora quanto a da vez em que sofreu abuso ****** em uma das festas. Uma pessoa aleatória e sem grande importância, aproveitou-se do menino pálido e mirrado que estava dormindo no chão, quase desmaiado por culpa de todo o álcool consumido, mas ainda consciente, Jimmy conseguia sentir sua cabeça sendo pressionada contra a poça d'água que estava em baixo de seu corpo, e ouvia risos, e esses mesmos risos estavam rindo dele agora enquanto tentava dormir e rezava pra um deus que não acredita para que tudo fosse um pesadelo.
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Naquele dia, Jimmy, que já era pessimista por si só, prometeu que não se trataria, que iria apenas esperar a morte, uma morte precoce, e que este seria o desfecho perfeito para alguém que envelheceu tão rápido, mas ele não esperaria sentado, iria continuar sua vida de auto-destruição, saindo cedo e voltando tarde, dormindo e comendo mal, não pararia também com nenhum tipo de droga, principalmente cigarro, que era tão importante quanto a caneta ao escrever seus poemas, dizia que sentir a cinza ainda quente caindo no peito o inspirava.
Outra manhã chegou, e mesmo que desejasse com toda força, tudo ainda era real, seus pensamentos eram confusos, dúvidas e incertezas tão insuportáveis que poderiam causar dores físicas e curadas com analgésicos. Trocou o dia pela noite, já não via o sol, não via rostos crús como os que se vê quando estamos à caminho do trabalho, só via os personagens da noite, prostitutas, vendedores de drogas, pessoas que compravam essas drogas, e gente como ele, de coração quebrado, pessoas que perderam amigos (ou não têm), que perderam a si mesmos, que terminaram relacionamentos até então eternos, que já não suportavam a vida medíocre imposta por uma sociedade programada e hipócrita. Continuou indo aos mesmos lugares por semanas, e já não dormia em casa todos os dias, sempre arrumava um espaço na casa de algum amigo ou conhecido, como se doesse encara
D. Furtado
ken park  Nov 2013
Perdida
ken park Nov 2013
Triste e sem caminho, assim ela pensava. Cansada de acordar todos os dias e ter aquela mesma sensação. Porra, eu já fiz isso! Todos os dias, toda hora, a mesma coisa. As pessoas não ligavam para isso, todo mundo sempre acha que o seu problema é maior do que o do outro. Mas no final, o problema de todo mundo é maior que o outro. É um ciclo repetitivo sem fim. Um ciclo de merda infinito. Assim era a vida dessa menina. Ela realmente estava perdida. Ou, achava que estava perdida. Nossa cabeça as vezes, ou sempre, nos faz prisioneiros de nós mesmos. Nós usamos, involuntariamente, nossos erros e medos contra nós mesmos. Onde ela estava com a cabeça? Eu quero ser assim, pensava ela... Pobre menina. Por que as pessoas acham "bonito" ter problemas emocionais, vidas dramáticas, coisas trágicas e o caralho a quatro de problema? Talvez a gente só queira ter uma aventura na vida, mas as vezes nós não lembramos, que a vida não é um filme, e que o final não vai ser feliz como sempre, ou que nós podemos evitar tal coisa, imaginamos sempre que sera aquela tragedia clichê tipo um Christiane f e no final tudo vai ficar bem. Não fica tudo bem. A nossa juventude está perdida. Realmente. Eu faço parte dessa geração. Nós temos vários tipos de pessoas, grupos sociais, gostos variados, culturas diferentes. Mas em uma coisa nós somos iguais. Nós sofremos. E isso meu amigo, não é brincadeira. Hoje em dia, não temos mais aquela amizade com as pessoas igual era 40 anos atrás, hoje em dia ta tudo muito superficial, muito mentiroso, muita encenação. O ser humano está perdendo cada vez mais a sua compaixão, a sua criatividade e a sua liberdade de se expressar. A nossa população está completamente alienada a coisas negativas e coisas que não levam a nada. Estamos perdidos. E eu, sou só mais uma, perdida. Mas em meus problemas, que eu não sei resolver.
Colhi a alma de tudo quanto toquei
e em tudo quanto olhei larguei parte da minha
o que me torna, hoje, aquilo que sou,
o que me constrói e constitui
são os outros e não eu.

Os outros: as flores banhadas de orvalho,
as árvores vestidas ou nuas,
as paisagens das cidades que amei
mais do que as pessoas com que as corri,
as pessoas que amei e as que toquei apenas
e aquelas que nem a tocar cheguei.

Não sou já gente, se é que fui gente vez alguma!
Será esta alma que trago maior que a minha?
Serei eu, tão cheia de natureza, mais ou menos natural?

Mas serei eu a alma que carrego sem que seja a minha,
o conjunto de seres racionais por dentro de mim
que me controlam o pensamento e, por vezes, o sentir
ou o ser único e puro que sente de forma única e pura?

Serei eu a união de tudo isso,
do que me resta de mim, de quantas versões tenha de mim,
e o que trago dos outros? Serei eu
algo ou alguém sequer?
Importa definir o ser?
VS Oct 2015
Pedi à lua e ela respondeu
Descubro
Agora
Em mim mesma
A fonte

Sou filha de Lua Mercurial
E rejo aqui na Terra em nome de Marte
Pelos dois pólos:
-  +

E marte, meu fiel guia, é bom professor
Conserva seu preciosismo
dotado talvez de pragmatismo maior
àvesso às morozidades da água
que agora secam na terra.

Conservo o meu poema
Meu espírito
O construto
O que tu me destes em tua visão

Conservo meu falo,
Pois em mim Marte grita:
À Glória!
COISAS DO ARCO DA VELHA

- Os etês gostam de bunda. Foi o que captei da conversa entre as meninas, enquanto caminhava no calçadão do Liceu.
- Tem caras que não gostam, né; acho que não são chegados; comer um cuzinho será que não faz bem?!
- Cruz credo! Exclamei mentalmente, e segui meu caminho rumo ao Fórum, que fica em frente.
Elas vieram na minha direção, a passos firmes, olhar direto, "você tem fogo...", perguntou a morena pele-de-cuia, "e como tem", observou a loira de olhos azuis, típica europeia, me examinando de cima a baixo, parando os olhos, ostensivamente, na minha barriguilha; "te vejo sempre por aqui", disse a morena, enquanto eu lhe entregava o isqueiro; "é, estou sempre na cantina, tomando café; café de Fórum é choco, frio, fraco, e causa-me asia; então, venho na cantina, às vezes comer alguma coisa", concluí.
- Uma bucetinha, um cuzinho e o que mais? Indagou a loura, acendendo o cigarro.
- Você está sempre cercado de meninas! Não é à toa!! Vai ver é o maior safadão, pica doce.... Completou a morena, sempre combinando seus ataques com a colega.

O Liceu é uma escola destinada à classe média alta, concebida nos tempos do império, onde só entravam filhinhos de papai e seus apadrinhados do aparelho de estado. Mas isso dançou com o advento da república, e hoje, assim como os "Pedro II", recebem qualquer um, desde que aguentem suas provas de avaliação, pois ainda são um padrão de ensino almejado pelas camadas interessadas em ascensão social e tecnica. Seus prédios são construções coloniais, com arquitetura rebuscada, estilosos; janelões de madeira nobre, ainda insensíveis ao cupim. Uma coisa fantástica em termos de concepção, pois possuem salas espaçosas, bem arejadas, lousas imensas, mesas de cedro vernisadas, cheias de gavetas; seus corredores lembram aqueles do filme Harry Potter, sinistros de arrepiar. E no caso do Liceu Nilo Peçanha, de Niterói, Rio de Janeiro, tem um sótão, que seguramente foi planejado como adega, pois tem balcãozinho cheio de compartimentos para copos, taças e talheres, à frente de um espelho na parede em moldura de mogno  e uma silhueta vitoriana; além de um velho barril de carvalho, aonde, sem dúvida, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Lima Barreto e tantas outras celebridades literárias desta terra de orfandades iniciaram-se nos caminhos da radicalidade estética.

- Conhece o sótão do Liceu? Indagou a morena, quase ao pé do meu ouvido.
- É ideal para uma brincadinha... Insinuou ela. Respondi que lá eu já namorei, me embriaguei, estudei e fiz muita reunião do grêmio.
- Então é "liceano... Vamos!" Disseram ambas, quase em uníssono.
No rádio da cantina, exatamente às dez da manhã no meu Rolex, tocava uma canção, cujo trecho diz assim:" Deixa isso pra lá, vem pra cá, venha ver. Eu não tô fazendo nada, nem você também..." e seguia insinuando outras coisas, ditas pela voz de um dos meus tantos ídolos da mpb, Jair Rodrigues.

Bom, pra encurtar o lererê, a morena está aqui em casa há 32 anos. Já somos avós, e, nem os filhos nem os netos jamais saberão das nossas façanhas e quando lhe mostrei o rascunho deste texto, ela fitou-me com seu olhar fogueando e objetou: você não pôr aí os detalhes...
- Claro que não!! São nossas relíquias!

Quando for grande quero
Ter um jardim
Para cuidar como não cuido de mim;
Fazer cama de um vaso cheio de terra
Onde cobrirei a semente de amor
Com água fresca e luz do sol
Palavras e doces melodias
Até e depois de nascer.

Quando for maior ainda,
Se amar a flor tanto assim,
Quero fazer uma horta do jardim,
Para amar o que como
Da semente até ao prato e,
Se somos o que comemos,
Plantarei amor em mim.
Victor Marques Feb 2015
Primavera que acordas vinhedos adormecidos

     Hoje fiz uma promessa a mim mesmo que seria escrever para ti: Primavera! Desde menino que me encantas, me envolves, me rejuvenesces…Sim, és tu Primavera que me acordas de sonos bem ou mal dormidos. Com os crescer dos dias parece que tudo cresce de uma forma descontrolada e um infindável colorido permanece aos olhos de quem te acolhe e enaltece.
    Sim, só poderias ser tu a bendizer todas as rosas campestres que por ti anseiam para comunicar e nos fazer sentir odores, por vezes já esquecidos. Os jardins se enfeitam com violetas, lírios, hortênsias. Os charcos ficam mais esverdeados e alegres, pois as rãs têm mais tempo para cantar.
    Primavera abençoada que acordas vinhedos durienses adormecidos, que aqueces rio Douro e Tua.  Amendoeiras em flor brancas e puras que acolhem abelhas que procuram alimento param se saciar. Nos campos é imensa a alegria de semear sementes que servirão de alimento para tantos seres que não compreendem o poder de nascimento contínuo que existe em todas as Primaveras. Parece que tudo está com disposição de despertar…
      Parece que tudo ressuscita, que tudo nasce, que tudo vive com maior apego e sintonia com o Deus Criador. Por tudo isto queria também eu ser uma Primavera excelsa e porque não celestial aos olhos de quem nunca teve ou sentiu uma Primavera.
    Victor Marques
primavera,despertar
Letícia Costa Jul 2013
Parte do tempo percebemos que somos perfeito
A maior parte não paramos de falar
Eu seguro sua mão, você dá um sorriso
A gente se beija no meio fio

Meu corpo se mexe pra trás e pra frente
Aqui está pra prefeitura, aqui está o bar que nos vende tequila
Somos tão esquisitos que daria certo

Os cartões de crédito dela me perdoaram
Os cabelos enrolados me perdoaram
Por que você não pode me perdoar?
Somos tão esquisitos que daria certo

O garoto de óculos escuros me deu um gole daquela ***** barata
Você me deixou colocar a cabeça no seu ombro
Quando fomos embora você me seguro no colo
Somos tão esquisitos que daria certo

Esquerda, direita, cima e baixo
Só porque não temos joguinhos não quer dizer que não é certo

Você vive dizendo que quer me ver
Amo essa mescla de felicidade e receio
Quando fico triste você faz uma dança engraçada
Somos tão esquisitos que fica perfeito
andreia nunes Feb 2013
na primeira noite eram estranhas.
disformes, distantes, extremamente presentes na sua tão triste ausência.
doeram-me todas as entranhas do corpo. pela memória e pelo presente.
agora, volvidos 3 dias volto a olhá-las.
já consigo olhá-las, auxiliá-las e já não me estão distantes.
agora são companheiras de luta.
algumas lutas mais leais que outras bem se sabe, mas ainda assim resistentes no seu silêncio.
o cheiro já me acolhe e todos os muitos sons que me circundam,
conseguem agora embalar-me e levar-me num sono tranquilo.
estou perto dos 28.
já não sou miúda, agora sei-o e mais sério, sinto-o.
ainda não sei que mulher sou, e como vou crescer a partir daqui.
há vários ajustes, estou muito irrequieta com o que vou fazer.
penso demasiado na pessoa que quero construir a partir daqui. é como se tivesse acabado de nascer mas já a saber falar, andar e pensar
- oh, penso tanto…
tenho de me permitir aprender e cair, chorar aos primeiros dentes.
mas a miúda deixa-me orgulhosa. gostei de ti andreia pequena, feliz, divertida e curiosa.
gostei da tua coragem e da tua força. até do teu nariz empertigado.
choro ao teu enterro, comovida pelo orgulho que te sinto e pelas saudades que me vais trazer.
a tua inocência guarda-la-ei como o meu mais precioso tesouro, e a ela recorrerei quando me vacilar a certeza.
crescer é de uma dureza atroz. o passado vejo-o enevoado, lamacento de muito difícil definição.
no entanto o futuro é um abismo.
dá-me vertigens querer espreitá-lo. mesmo quando coloco apenas os olhos, como se me escondesse dele mesmo. de mim mesma, dessa andreia que serei. como se não quisesse que ela me apanhasse a espiá-la a ver-lhe os movimentos, para que os usasse ou os julgasse de ante mão.
aqui estou, numa cama de hospital. viva e livre de qualquer mal. (mal maior pelo menos). e esta andreia do presente, esta nova-mulher, tem muito medo.
muito medo de falhar, muito medo de não ser tão feliz quanto a miúda foi.
Um terceiro terço livrado de fúria e de autoridade,
Um homem duro bêbado e por demais vadio,
Procurando na noite prazeres de um defunto,
Sem vida, nem espaço para entrar em outra vida!

Se eu fosse assim escuro perdido pelos vícios,
E se eu me esquecesse mesmo, que eras mulher,
Procurasse nesses rabos oferecidos de saia,
Prazer, loucura, hábitos de gente vadia!

Se me pintasse de vida, e me vestisse de Gay,
Mostrando fantasias de pouco valor,
Coisas que mesmo feitas, eram coisas de contentor,
Seria eu assim Homem de mais esplendor?

Porque não posso ser eu assim, roto por fora,
E dentro ter o meu maior tesouro, partilhando-to,
Cheiro de verdades, carinhos e cimentados valores!
Porque não podes ouvir a experiencia, que nunca te enganou!

Querer fluir pensamentos alcoolizados, de uma vida sem fé,
Sem alimento quarente algum, que permanece duradouramente?
Nem tu sabes, nem eu entendo o porquê de não teres esperança,
Porque duvidas-te de mim se só te contei verdades confirmadas!

Autor: António Benigno
Dedico este poema à vida de merda da gente que está perdida.
Canção Do Verbo Encarnado

*
Minha geração foi assim,
começou pelo quando
e acabou pelo fim.

O amor escorreu pelos cantos
e quando cantamos
a canção do amor armado,

Thiago de Melo estava em Berlim
mergulhado no verde dos olhos
da alemãzinha da ACNUR ,

nossa orquestra saiu de cena
e nossa guerra de guerrilhas
acabou no maior calor...

O suor que expelia seu odor
era o suor frio dos tiranos
nos porões mórbidos da ditadura
executando nossos irmãos.

O ar jazia cheio de sangue
e nós estávamos congelados
nas câmaras de gás dos IMLs.

Vínhamos de todos os lados,
desde os vales profundos do Ribeira,
das chapadas mais íngremes do Araguaia
ou dos guetos subumanos da urbe.

Éramos nós o odor de fumaça
que agredia as narinas alheias
com a catinga de carne queimada.

Éramos nós o encanto das canções de protesto
cantadas na avenida com euforia
para engendrar os projetos do futuro,

como somos nós os ignorados da história,
os estranhos os comícios,
a cadeira vazia das reuniões oficiais,

pois somos nós que chegamos e partimos
sem ninguém saber quem somos
e que vamos lá adiante,

distantes da balburdia alienante
e quando vós menos  esperais
somos nós que nos imolamos
às vossas portas
contra a apatia com que nos matais.

Como todos vós podeis ver,
a minha geração é assim:
começa pelo quando
e acaba pelo fim,
mas não fica à toa na vida
pro seu amor lhe chamar
e ver a banda passar
tocando coisas de amor...

Visite....http://blogdopoetacabral.blogspot.com.br/
Wörziech May 2013
Este insólito e inaudito conjunto de explosões atemporais,
inobservável a longas distâncias,
é, factualmente, o tecelão da portentosa dimensão da mente.

Abundantes vozes desnorteadas,
obscuras e perturbadoras, nela se fazem existir.

São vozes que são sentidas,
vozes sombrias que escrevem.
Vozes pelas quais fui, eu próprio, desenhado.

E criado para navegar,
parti para o mar em busca das partes que me faltavam em terra firme.

Fragmentado,
nas mais diversas ilhas - paradisíacas e apocalípticas -,
nas profundezas e no horizonte azul,
busco, ainda hoje, estilhaços e peças escassas perdidas;

Cotidianamente,
ao acercar da noite,
os sons de batalha tendenciosamente indicam direções para não seguir,
e ainda que mantenha sem medo o controle das velas,
os ventos insistem em dizer aonde ir...

Pois que seja! "Navegarei com todos eles!"

'Placebo ou morte?'
O que minha tripulação anseia não importa,
ela tampouco existe.

Nesta irremediável transposição constante de caminhos,
sem o reconhecimento de qualquer lógica postulável,
oscilante, transgrido e navego ainda por mares intergaláticos.

E nesta imensidão extraordinariamente escura do cosmos,
carregando a experiência daqueles oceanos pesados e profundos,
me encontro a observar, sempre ao longe, uma fagulha,
ínfimo ponto que se faz visível.

Em sua direção,
continuo a jornada do pouco infindável
dessa dimensão que permanentemente remanesce como o desconhecido.

O mais próximo e o maior ângulo possível
para apreciar esse pontual, eterno e único nascer da super nova,
eu encontrarei.

— The End —