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Serafeim Blazej Jan 2017
Reúna os mortos aqui
Eles não podem falar
Mas eles vêem tudo
Você não conseguirá fugir
Você não consegue se esconder

Reúna os mortos aqui
Neste lugar sagrado
Queimaremos a cidade dos mortos
Eles vão arder e amaldiçoar
Eles vão ver você queimar

Reúna os mortos aqui
Não esqueça de trazer os vivos (também)
Eles não devem perder a festa
Reúna os mortos e os queimados
Vamos reerguer a cidade dos mortos
Vamos reerguer o que queimamos

Reúna os mortos aqui
Não esqueça de você
Você está morto também.
20/01/2017
¡Fita aquel branco galán,
olla seu transido corpo!
É a lúa que baila
na Quintana dos mortos.
Fita seu corpo transido,
***** de somas e lobos.
Nai: A lúa está bailando
na Quintana dos mortos.
¿Quén fire potro de pedra
na mesma porta do sono?
¡É a lúa! ¡É a lúa
na Quintana dos mortos!
¿Quén fita meus grises vidros
cheos de nubens seus ollos?
É a lúa, é a lúa
na Quintana dos mortos.
Déixame morrer no leito
soñando con froles d'ouro.
Nai: A lúa está bailando
na Quintana dos mortos.
¡Ai filla, co ár do céo
vólvome branca de pronto!
Non é o ar, é a triste lúa
na Quintana dos mortos.
¿Quén brúa co-este xemido
d'imenso boi melancónico?
Nai: É a lúa, é a lúa
na Quintana dos mortos.
íSi, a lúa, a lúa
coronada de toxos,
que baila, e baila, e baila
na Quintana dos mortos!
Meus caros, eu vi!
Quem sabe num sonho, ou talvez não fosse exatamente um sonho
Quem sabe as luzes estivessem baixas demais
E a escuridão que promove vultos, houvesse enegrecido minha mente
-Entorpecido por meus próprios pensamentos-
Ali estava, a visão atemporal da existência

Trafegando por aterradores espaços infinitos
A escuridão assombrava o devastado pântano das almas amaldiçoadas
ouvia-se os gritos daqueles que encontravam ali o fatal destino
Os mortos que estavam aprisionados ansiavam por companhia
Uma fumaça fétida pairava sobre as águas apodrecidas
Animais se decompunham retidos pela lama pegajosa
Vermes se proliferavam naquele ambiente hostil enquanto o atormentador zumbido de moscas preenchia o silêncio daquele lugar horrível
As criaturas mais horrendas e bestiais ali faziam sua morada
à espreita das desavisadas presas que por aquele caminho se perderam

Há um homem perdido em seus próprios passos
Ele caminha ao longo da estrada
Entre-a-vida-e-a-morte
Ele está vivo, mas nunca viveu
Como também está morto, sem de fato ter morrido
Anseia por luz, mas se perde na escuridão do pântano

O bater de asas dos abutres lhe contam que tudo é um sonho, mas também uma profecia
Abaixo da árvore da vida sete urubus mortos estão se decompondo
Não há quem possa devorar seus cadáveres apodrecidos
Uma formosa águia sobrevoa o pântano
Sete ratos tentam se esconder
Sete cobras tentam fugir
Mas a águia devora os sete ratos
E também devora as sete cobras

O homem se torna dois, e um terceiro que não é homem
Ambos deverão transitar pelo inferno
Arrastar-se pela terra infértil da morte
Um morrerá para si mesmo
E renascerá como a fênix mitológica
O outro morrerá eternamente
Consumido pela legião de sombras
Sua tristeza será incomensurável
E como se uma ira brotasse em seu âmago
E uma dor gigantesca consumisse todo o seu ser
Sem derramar uma lágrima
Mergulhará sua existência nas águas esquecidas do Lethe
Embora o primeiro igualmente experimentasse dor tamanha
Ele encontrará seu guia dentro de si mesmo
Pois o guia na escuridão é a luz
Na luz nenhuma escuridão prevalece

O terceiro é como se jamais existisse
Permanecendo no limbo do crepúsculo
Sem dormir ou acordar
Apodrecendo como os urubus mortos aos pés da árvore da vida
Sem jamais experimentar seus frutos

Os três se tornam um só novamente
Mas algo havia mudado
Já não poderia mais ser o mesmo

E como num súbito – abri meus olhos
Não poderia ter sido um sonho
Por mais que estivesse sonhando…
Meus caros, eu vi!
Português

"Lembranças, fragmentos de pensamentos que tivemos, vidas que vivemos. Este é o nosso purgatório, nosso inferno. Sim, estamos mortos. Nós destruímos a terra e já não mais vivemos e tudo o que nos restou foram as lembranças, fragmentos de pensamentos que tivemos. Estamos mortos agora...".

Francês

"Souvenirs, des fragments de pensées que nous avons eues, vit dans lequel nous vivons. Ceci est notre purgatoire, notre enfer. Oui, nous sommes morts. Nous détruisons la terre et ne plus vivre, et il ne restait que des souvenirs, des fragments de pensées que nous avons eues. Nous sommes morts maintenant ..."

Inglês

"Memories, fragments of thoughts we had, lives we live. This is our purgatory, our hell. Yes, we're dead. We destroy the land and no longer live and all that remained were the memories, fragments of thoughts we had. We are dead now ..."

Italiano

"Ricordi, frammenti di pensieri che abbiamo avuto, vive viviamo. Questo è il nostro purgatorio, il nostro inferno. Sì, siamo morti. Noi distruggere la terra e non più dal vivo e tutto ciò che restava erano i ricordi, frammenti di pensieri che abbiamo avuto. Ci sono morti oggi ..."

Espanhol

"Recuerdos, fragmentos de pensamientos que teníamos, vive vivimos. Este es nuestro purgatorio, nuestro infierno. Sí, estamos muertos. Destruimos la tierra y ya no vivo y lo único que quedaba eran los recuerdos, fragmentos de pensamientos que teníamos. Estamos muertos ahora ..."

Dinamarquês

*"Memories, fragmenter af tanker, vi havde, lever vi lever. Dette er vores skærsilden, vores helvede. Ja, vi er døde. Vi ødelægger jorden og ikke længere bor og alle, der forblev var minderne, fragmenter af tanker, vi havde. Vi er døde nu ..."
Esta crônica é resultado de uma conversa que eu teria com o velho companheiro de lutas Chico da Cátia. Era um companheiro de toda hora, sempre pronto a dar ajuda a quem quer que fosse. Sua viúva, a Cátia, é professora da rede pública estadual do Rio de Janeiro e ele adquiriu esse apelido devido a sua obediência a ela, pois sempre que estávamos numa reunião ou assembleia ou evento, qualquer coisa e ela dissesse "vamos embora!", o Chico obedecia, e, ao se despedir dizia: com mulher, não se discute. Apertava a mão dos amigos e partia.

Hoje, terceiro domingo do janeiro de 2015, estou cercado. Literalmente cercado. Cercado sim e cercado sem nenhum soldado armado até aos dentes tomando conta de mim. Não há sequer um helicoptero das forças armadas americanas sobrevoando o meu prédio equipado com mísseis terra-ar para exterminar-me ao menor movimento, como está acontecendo agorinha em algum lugar do oriente asiático. Estou dentro de um apartamento super ventilado, localizado próximo a uma área de reserva da mata atlântica, local extremamente confortável, mas cercado de calor por todos os lados, e devido ao precário abastecimento de água na região, sequer posso ficar tomando um banhozinho de hora em hora, pois a minha caixa d'água está pela metade. Hoje, estou tão cercado que sequer posso sair cidade a fora, batendo pernas, ou melhor, chinelos, pegar ônibus ou metrô ou BRTs e ir lá na casa daquele velho companheiro de lutas Chico da Cátia, no Morro do Falet, em Santa Tereza, para pormos as ideias em dia. É que a mulher saiu, foi para a casa da maezinha dela e como eu tinha dentista ontem, não fui também e estou em casa, cercado também pelo necessário repouso orientado pelo médico, que receitou-me cuidados com o calor devido ao dente estar aberto.

Mas, firulas à parte, lembro-me de uma conversa que tive com o Chico após a eleição do Tancredo pelo colégio eleitoral, que golpeou as DIRETAS JÁ, propostas pelo povo, na qual buscávamos entender os interesses por detrás disso, uma vez que as eleições diretas não representavam nenhuma ameaça ao Poder Burguês no Brasil, aos interesses do capital, e até pelo contrário, daria uma fachada "democrática ao país" Nessa conversa, eu e o Chico procuramos esmiuçar os segmentos da burguesia dominante no Brasil, ao contrário do conceito de "burguesia brasileira" proposto pela sociologia dos FHCs da vida. Chegamos à conclusão de que ela também se divide, tem contradições internas e nos seus embates, o setor hegemônico do capital é quem predominar. Nesse quesito nos detivemos um bom tempo debatendo, destrinçando os comportamento orgânicos do capital, e concluímos que o liberalismo, fantasiado de neo ou não, é liberal até o momento em que seus interesses são atingidos, muitas vezes por setores da própria burguesia; nesses momentos, o setor dominante, hegemônico, lança mão do que estiver ao seu alcance, seja o aparelho legislativo, o judiciário e, na falta do executivo, serve qualquer instrumento de força, como eliminação física dos seus opositores, golpe de mídia ou golpe de estado, muitas vezes por dentro dos próprios setores em disputa, como se comprovou com a morte de Tancredo Neves, de Ulisses Guimarães e de uma série de próceres da burguesia, mortos logo a seguir.

Porém, como disse, hoje estou cercado. Cercado por todos os lados, cercado até politicamente, pois os instrumentos democratizantes do meu país estão dominados pelos instrumentos fascistizantes da sociedade. É que a burguesia tem táticas bastante sutis de penetração, de corrosão do poder de seus adversários e atua de modo tão venal que é quase impossível comprovar as suas ações. Ninguém vai querer concordar comigo em que os setores corruptos da esquerda sejam "arapongas" da direita; que os "ratos" que enchem o país de ONGs, só pra sugar verbas públicas com pseudo-projetos sociais, sejam "arapongas" da direita; que os ratazanas que usam a CUT, o MST, o Movimento por Moradia, e controlam os organismos de políticas sociais do país sejam "arapongas" da direita; que os LULAS, lulista e cia, o PT, a Dilma etc, sejam a própria direita; pois do contrário, como se explica a repressão aos movimentos sociais, como se explica a criminalização das ações populares em manifestações pelo país a fora? Só vejo uma única resposta: Está fora do controle "DELLES!"

Portanto, como disse, estou cercado. Hoje, num domingo extremamente quente, com parco provimento de água, não posso mais, sequer, ir à casa do meu amigo Chico da Cátia. Ela, já está com a idade avançada, a paciência esgotada de tanto lutar por democracia, não aguenta mais sair e participar dos movimentos sociais, e eu sou obrigado a ficar no meu canto, idoso e só, pois o Chico já está "na melhor!"; não disponho mais dele para exercitar a acuidade ideológica e não me permitir ser um "maria vai com as outras" social, um alienado no meio da *****, um zé-niguém na multidão, o " boi do Raul Seixas": "Vocês que fazem parte dessa *****, que passa nos projetos do futuro..."  Por exemplo, queria conversar com ele sobre esse "CASO CHARLIE HEBDO", lá da França, em que morreu um monte de gente graças a uma charge. Mas ele objetaria; "Uma charge?!" É verdade. Não foi a charge que matou um monte de gente, não foi o jornal que matou um monte de gente, não foram os humoristas que mataram um monte de gente. Assim como na morte de Tancredo Neves e tantos membros da própria burguesia no Brasil, quem matou um monte de gente é o instrumento fascistizante da sociedade mundial, ou seja, a disputa orgânica do capital, a concorrência entre o capital ocidental e o capital oriental, que promove o racismo e vende armas, que promove a intolerância religiosa e vende armas, que promove as organizações terroristas em todo o mundo e vende armas; que vilipendia as liberdades humanas intrínsecas, pisoteia a dignidade mais elementar, como o direito à crença, como o respeito etnico, a liberdade de escolhas, as opções sexuais, e o que é pior, chama isso de LIBERDADE e comete crimes hediondos em nome da Liberdade de Imprensa, da Liberdade de Expressão,  a ponto de a ministra da justiça francesa, uma mulher, uma negra, alguém que merece respeito, ser comparada com uma macaca, e ninguém falar nada. Com toda certeza do mundo, eu e o Chico jamais seremos CHARLIE....  

Danielle Furtado Nov 2014
Nasceu no dia dos namorados. Filho de mãe brasileira com descendência holandesa e pai português. Tinha três irmãos: seu gêmeo Fabrício, o mais velho, Renato, e o terceiro, falecido, que era sua grande dor, nunca dizia seu nome e ninguém se atrevia a perguntar.
A pessoa em questão chamaremos de Jimmy. Jimmy Jazz.
Jimmy morava em Portugal, na cidade de Faro, e passou a infância fazendo viagens ao Brasil a fim de visitar a família de sua mãe; sempre rebelde, colecionava olhares tortos, lições de moral, renegações.
Seu maior inimigo, também chamado por ele de pai, declarou guerra contra suas ideologias punk, seu cabelo que gritava anarquismo, e a vontade que tinha ele de viver.
Certo dia, não qualquer dia mas no natal do ano em que Jimmy fez 14 anos, seu pai o expulsou de casa. Mais um menino perdido na rua se tornou o pequeno aspirante à poeta, agora um verdadeiro marginal.
Não tinha para onde ir. Sentou-se na calçada, olhou para seus pés e agradeceu pela sorte de estar de sapatos e ter uma caneta no bolso no momento da expulsão, seu pai não o deixara com nada, nem um vintém, e tinha fome.
Rondou pelas mesmas quadras ao redor de sua casa por uns dias, até se cansar dos mesmos rostos e da rotina daquela região, então tomou coragem e resolveu explorar outras vidas, havia encontrado um caderno em branco dentro de uma biblioteca pública onde costumava passar o dia lendo e este seria seu amigo por um bom tempo.
Orgulhoso, auto-suficiente, o menino de apenas 14 anos acabou encontrando alguém como ele, por fim. Seu nome era Allan, um punk que, apesar de ainda ter uma casa, estava doido para ir embora viver sua rotina de não ter rotina alguma, e eles levaram isso muito à sério.
Logo se tornaram inseparáveis, arrumaram emprego juntos, que não era muito mas conseguiria mantê-los pelo menos até terminarem a escola, conseguiram alugar uma casa e compraram um cachorro que nunca ganhou nome pois não conseguiam entrar em acordo sobre isso, Jimmy tinha também um lagarto de estimação que chamava de Mr. White, sua paixão.
Os dois amigos começaram a frequentar o que antes só viam na teoria: as festas punk; finalmente haviam conseguido o que estavam procurando há tempos: liberdade total de expressão e ação. Rodeados por todos os tipos de drogas e práticas sexuais, mas principalmente, a razão de todo o movimento: a música.
Jimmy tinha inúmeras camisetas dos Smiths, sua banda favorita, e em seu quarto já não se sabia a cor das paredes que estavam cobertas por pôsteres de bandas dos anos 80 e 90, décadas sagradas para qualquer amante da música e Jimmy era um deles, sem dúvida.
Apesar da vida desregrada que levava com o amigo, Jimmy conseguiu ingressar na faculdade de Letras, contribuindo para sua vontade de fazer poesia, e Allan em enfermagem. Os dois, ao contrário do que seus familiares pensavam, eram extremamente inteligentes, cultos, criaram um clube de poesia com mais dois ou três amigos que conheceram em uma das festas e chamaram de "Sociedade dos Poetas Mortos... e Drogados!", fazendo referência ao filme de  Peter Weir.
O nome não era apenas uma piada entre eles, era a maior verdade de suas vidas, eles eram drogados, Jimmy  era viciado em heroína, Allan também mas em menos intensidade que seu parceiro.
Jimmy não era hétero, gay, bissexual ou qualquer outra coisa que se encaixe dentro de um quadrado exigido pela sociedade, Jimmy era do amor livre, Jimmy apenas amava. E com o passar o tempo, amava seu amigo de forma diferente, assustado pelo sentimento, escondeu o maior tempo que pôde até que o sentimento sumisse, afinal é só um hormônio e a vida voltaria ao normal, mas a amizade era e sempre seria algo além disso: uma conexão espiritual, se acreditassem em almas.
Ambos continuaram suas vidas sendo visitados pela família (no caso de Jimmy, apenas sua mãe) duas vezes ao ano, no máximo, e nesses dias não faziam questão de esconderem seus cigarros, piercings ou qualquer pista da vida que levavam sozinhos, afinal, não os devia mais nada já que seus vícios, tanto químicos quanto musicais, eram bancados por eles mesmos.
Era 14 de fevereiro e Jimmy completara 19 anos, a vida ainda era a mesma, o amigo também, mas sua saúde não, principalmente sua saúde mental.
O poeta de sofá, como alguns de nós, sofria de um existencialismo perturbador, o mundo inteiro doía no seu ser, e não podia fazer muito sobre aquilo, afinal o que poderia fazer à respeito senão escrever?
Até pensou em viver de música já que tocava dois instrumentos, mas a ideia de ter desconhecidos desfrutando ou zombando dos seus sentimentos mais puros não lhe era agradável. Continuou a escrever sobre suas dores e amores, e se perguntava por que se sentia daquela forma, por que não poderia ser como seu irmão que, apesar de possuírem aparência idêntica, eram extremos do mesmo corpo. Fabrício era apenas outro cidadão português que chegava em casa antes de sua mãe ficar preocupada, não que ele fosse um filho exemplar, ele só era... normal, e era tudo que Jimmy não era e jamais gostaria de ser; aliás, ter uma vida comum era visto com desprezo pelos olhos dele, olhos que, ainda tão cedo, haviam visto o melhor e o pior da vida, já não acreditava em nada, nem em si mesmo, nem em deus, nem no universo, nem no amor.
Como poderia alguém amar uma pessoa com tanta dor dentro de si? Como ele explicaria sua vontade de morrer à alguém que ele gostaria de passar a vida toda com? Era uma contradição ambulante. Uma contradição de olhos azuis, profundos, e com hematomas pelo corpo todo.
Aos 20 anos, o tédio e a depressão ainda controlavam seu estado emocional a maior parte do tempo, aos domingos era tudo pior, existe algo sobre domingo à tarde que é inexplicável e insuportável para os existencialistas, e para ele não seria diferente. Em um domingo qualquer, se sentindo sozinho, resolveu entrar em um chat online daqueles famosos, e na primeira tentativa de conversa conheceu uma moça do Brasil, que como ele, amava a banda Placebo e sendo existencialista, também sofria de solidão, o que facilitou na construção dos assuntos.
Ela não deu muita importância ao português que dizia "não ser punk porque punks não se chamam de punks", já estava cansada de amores e amizades à distância, decidiu se despedir. O rapaz, insistente e talvez curioso sobre a pessoa com quem se deparara por puro acaso, perguntou se poderiam conversar novamente, e não sabendo a dor que isso a causaria, cedeu.
Assim como havia feito com Allan, Jimmy conquistou Julien, a nova amiga, rapidamente. De um dia para o outro, se pegou esperando para que Jimmy voltasse logo para casa para que pudessem conversar sobre poesia, música, começo e fim da vida, todos os porquês do mundo em apenas uma noite, e então perceberam que já não estavam sozinhos, principalmente ela, que havia tempo não conhecia alguém tão interessante e único quanto ele.
Não demorou muito para que trocassem confidências e os segredos mais íntimos, mas nem tudo era tão sério, riam juntos como nunca antes, e todos sabem que o caminho para o coração de uma mulher é o bom humor, Julien se encontrava perdidamente apaixonada pelo ****** que conhecera num site de relacionamentos e isso se tornaria um problema.
Qualquer relacionamento à distância é complicado por natureza, agora adicione dois suicidas em potencial, um deles viciado em heroína e outra que de tão frustrada já não ligava tanto para sede de viver que sentia, queria apenas ler poesia longe de todas as pessoas comuns, essas que ambos abominavam.
Jimmy era todos os ídolos de Julien comprimidos dentro de si. Ele era Marilyn Manson, era Brian Molko, era Gerard Way, Billy Corgan, Kurt Cobain, mas acima de todos esses, Jimmy era Sid Vicious e Julien sonhava com seus dias de Nancy.
Ele era o primeiro e último pensamento dela, e se tornou o tema principal de toda as poesias que escrevia, assim como as que lia, parecia que todas eram sobre o luso-brasileiro que considerava sua cópia masculina. Jimmy, como ela, era feminista, cheio de ideologias e viciado em bandas, mas ao contrário dela, não teria tanto tempo para essas coisas.
Estava apaixonado por um rapaz brasileiro, Estêvão, que também dizia estar apaixonado por ele mas nunca passaram disso, e logo se formou um semi-triângulo amoroso, pois Julien sabia da existência da paixão de Jimmy, mas Estêvão não sabia que existia outra brasileira que amava a mesma pessoa perdidamente. Não sentiu raiva dele, pelo contrário, apoiava o romance dos dois já que tudo que importava à ela era a felicidade de Jimmy, que como ela, era infeliz, e as chances de pessoas como eles serem felizes algum dia é quase nula.
O brasileiro era amante da MPB e da poesia do país, assim como amava ouvir pós-punk e escrever, interesses que eram comum aos três perdidos, mas era profissional para ele já que conseguira que seus trabalhos fossem publicados diversas vezes. Se Jimmy era Sid Vicious, Julien desejava ser Nancy (ou Courtney Love dependendo do humor), Estêvão era Cazuza.
Morava sozinho e não conseguia se fixar em lugar algum, estava à procura de algo que só poderia achar dentro dele mesmo mas não sabia por onde começar; convivia com *** há alguns meses na época, mas estava relativamente bem com aquilo, tinha um controle emocional maior do que nosso Sid.
Assim como aconteceu com Allan e Julien, não demorou muito para que Estêvão caísse nos encantos de Jimmy, que não eram poucos, e não fazia mais tanta questão de esconder o que sentia por ele. Dono de olhos infinitamente azuis, cabelo bagunçado que mudava de cor frequentemente, corpo magro, pálido, e escrevia os versos mais lindos que poderia imaginar, Jimmy era o ser mais irresistível para qualquer um que quisesse um bom tema para escrever.
--
Julien era de uma cidade pequena do Brasil, onde, sem a internet, jamais poderia ter conhecido Jimmy, que frequentava apenas as grandes cidades do país. Filha de pais separados, tinha o mesmo ódio pelo pai que ele, mas diferente do amigo, seu ódio era usado contra ela mesma, auto-destrutiva é um termo que definiria sua personalidade. Era de se esperar que ela se apaixonasse por alguém viciado em drogas, existe algo de romântico sobre tudo isso, afinal.
Em uma quarta-feira comum, antecipada por um dia nublado, escreveu:

Minhas palavras, todas tiradas dos teus poemas
Teu sotaque, uma voz imaginada
Que obra de arte eram teus olhos
Feitos de um azul-convite

E eu aceitei.


Jimmy era agora seu mundo, e qualquer lugar do mundo a lembrava dele. Qualquer frase proferida aleatoriamente em uma roda de amigos e automaticamente conseguia ouvir sua opinião sobre o assunto, ela o conhecia como ninguém, e em tão pouco tempo já não precisavam falar muita coisa, os dois sabiam dos dois.
Desejava que Jimmy fosse inteiramente dela, corpo e mente, que cada célula de seu ser pudesse tocar todas as células do dela, e que todos os pensamentos dele fossem sobre amá-la, mas como a maioria das coisas que queria, nada iria acontecer, se achava a pessoa mais azarada do mundo (e provavelmente era).
Em uma noite qualquer, após esperar o dia todo ansiosa pela hora em que Jimmy voltaria da faculdade, ele não apareceu. Bom, ele era mesmo uma pessoa inconstante e já estava acostumada à esse tipo de surpresa, mas existia algo diferente sobre aquela noite, sabia que Jimmy estava escondendo alguma coisa dela pois há dias estava estranho e calado, dormia cedo, acordava tarde, não comia, e as músicas que costumavam trocar estavam se tornando cada vez mais tristes, mas era inútil questionar, apesar da intimidade, ele se tornara uma pessoa reservada, o que era totalmente compreensível.
Após três ou quatro dias de aflição, ele finalmente volta e não parece bem, mesmo sem ver seu rosto, conhecia as palavras usadas por ele em todos os momentos. Preocupada com o sumiço, foi logo questionando sua ausência com certa raiva e euforia, Jimmy não respondia uma letra sequer. Julien deixou uma lágrima escorrer e implorou por respostas, tinha a certeza de que algo estava muito errado.
"Acalme-se, ou não poderei lhe contar hoje. Algo aconteceu e seu pressentimento está mais que correto, mas preciso que entenda o meu silêncio", disse à ela.
Julien não respondeu nada além de "me dê seu número, sinto que isso não é algo que se conta por escrito".
Discando o número gigantesco, cheio de códigos, sabia que assim que terminasse aquela ligação teria um problema muito maior do que a alta taxa que é cobrada por ligações internacionais. Ele atendeu e começou a falar interrompendo qualquer formalidade que ela viria a proferir:

– Apenas escute e prometa-me que não irá chorar.
Ela não disse nada, aceitando a condição.
– Há tempos não sinto-me bem, faço as mesmas coisas, não mudei meus costumes, embora deveria mas agora é tarde demais. Sinto-me diferente, meu corpo... fraco. Preciso te contar mas não tenho as palavras certas, acho que nem existem palavras certas para o que estou prestes à dizer então serei direto: descobri que sou *** positivo. ´
Um silêncio quase mórbido no ar, dos dois lados da linha.
Parecia-se com um tiro que atravessou o estômago dos dois, e nenhum podia falar.
Julien quebrou o silêncio desligando o telefone. Não podia expressar a dor que sentia, o sentimento de injustiça que a deixava de mãos atadas, Ele era a última pessoa do mundo que merecia aquilo, para ela, Jimmy era sagrado.

Apenas uma pessoa soube da nova situação de Jimmy antes de Julien: Allan.
Dois dias antes de contar tudo à amiga, Jimmy havia ido ao hospital sozinho, chegou em casa mais cedo, sentou-se no sofá e quis morrer, comparou o exame médico à um atestado de óbito e deu-se por morto. Allan chegou em casa e encontrou o amigo no chão, de olhos inchados, mãos trêmulas. Tirou o envelope de baixo dos braço de Jimmy, que o segurava como se fosse voar a qualquer instante, como se tivesse que apertar ao máximo para ter certeza de que aquilo era real. Enquanto lia os papéis, Jimmy suplicava sua morte, em meio à lágrimas, Allan lhe beijou como o amante oculto que foi por anos, com lábios fracos que resumiam a dor e o medo mas usou um disfarce para o pânico que sentia e sussurrou "não sinto nojo de ti, meu amigo, não estás morto".
Palavras inúteis. Já não queria ouvir nada, saber de nada. Jimmy então tentou dormir mas todas as memórias das vezes que usou drogas, que transou sem saber com quem, onde ou como, estavam piscando como flashes de luz quase cegantes e sentia uma culpa incomparável, um medo, terror. Mas nenhuma memória foi tão perturbadora quanto a da vez em que sofreu abuso ****** em uma das festas. Uma pessoa aleatória e sem grande importância, aproveitou-se do menino pálido e mirrado que estava dormindo no chão, quase desmaiado por culpa de todo o álcool consumido, mas ainda consciente, Jimmy conseguia sentir sua cabeça sendo pressionada contra a poça d'água que estava em baixo de seu corpo, e ouvia risos, e esses mesmos risos estavam rindo dele agora enquanto tentava dormir e rezava pra um deus que não acredita para que tudo fosse um pesadelo.
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Naquele dia, Jimmy, que já era pessimista por si só, prometeu que não se trataria, que iria apenas esperar a morte, uma morte precoce, e que este seria o desfecho perfeito para alguém que envelheceu tão rápido, mas ele não esperaria sentado, iria continuar sua vida de auto-destruição, saindo cedo e voltando tarde, dormindo e comendo mal, não pararia também com nenhum tipo de droga, principalmente cigarro, que era tão importante quanto a caneta ao escrever seus poemas, dizia que sentir a cinza ainda quente caindo no peito o inspirava.
Outra manhã chegou, e mesmo que desejasse com toda força, tudo ainda era real, seus pensamentos eram confusos, dúvidas e incertezas tão insuportáveis que poderiam causar dores físicas e curadas com analgésicos. Trocou o dia pela noite, já não via o sol, não via rostos crús como os que se vê quando estamos à caminho do trabalho, só via os personagens da noite, prostitutas, vendedores de drogas, pessoas que compravam essas drogas, e gente como ele, de coração quebrado, pessoas que perderam amigos (ou não têm), que perderam a si mesmos, que terminaram relacionamentos até então eternos, que já não suportavam a vida medíocre imposta por uma sociedade programada e hipócrita. Continuou indo aos mesmos lugares por semanas, e já não dormia em casa todos os dias, sempre arrumava um espaço na casa de algum amigo ou conhecido, como se doesse encara
D. Furtado
No rosto leproso da noite, ventos giram cartas como quem não quer nada/ Ou talvez vultos guardam melancolia no quarto branco/ Oh! tão bom beber hálito gelado da lua junto aos antepassados, lá se vão fugidios das estrelas; sete são. Os mais jovens, no rio, colhem cristais & dançam ( ritual veludo puro, sombra azul circula)/ Rápido, múltiplas festas ecoam do infinito, este cínico pastor poda asas feridas; mãos sagradas dos mortos & dos mitos/ Bebemos & cantamos, no colo floresta desnuda/ Neste banquete vermelho, virgens dão o toque úmido & todos os santos saboreiam o útero/ Sob o aconchego do delírio a loucura desfila, santa de todos os dias!
Sua mãe morreu de câncer, meu filho.
Sua mãe morreu lentamente, sem dramas,
mas com intensa agonia.
Foi o que lhe respondi quando
perguntou o por que eu nunca
terminei de escrever meu
primeiro romance.
Você levou suas mãozinhas pequenas
e disformes
ao meu rosto e tocou meus olhos
com carinho e violência.
Levantei, afastando-me: estava na
hora de sua injeção: hormônios
de crescimento
de homens ainda mais mortos
que eu.
Amanda Gleria Nov 2014
Chove ou amanhece
Os esqueletos dançam.

Estão mortos!

Vivem a morte, nutridos
Pelo sentido
Pela ardente vontade  de

Fitar meus olhos.

Com aqueles seus buracos
Vazios do crânio
Sem mesmo
Lembrar da dor que tiveram

Por já terem vivido.

Se nutrem da seiva
De guardar a vida
Do escárnio imperecível do passado.
É somente para isso que

Os esqueletos dançam.
Rui Serra Jul 2014
Na minha terra há um cemitério,
antigo,
da idade dos anos.
Abriga os mortos,
os meus mortos.
Quando por lá passo,
na penumbra do entardecer,
sinto o roçar das suas almas.
Serafeim Blazej Dec 2016
Marinheiro, marinheiro
Você  perdeu sua âncora
Você perdeu seu atlas
Marinheiro, marinheiro
Você matou seus companheiros
E não há lugar em terra para você
Marinheiro, marinheiro
Te disseram para nunca mais voltar
Te mandaram parar de respirar
Marinheiro, marinheiro
E toda dor que você sentiu?
Você perdeu seu coração?
Marinheiro, marinheiro
Eles te odeiam
Você é a própria morte, dizem eles
Marinheiro, marinheiro
O alfaiate e o jovem da meia-noite estão em paz?
Seus fantasmas ainda o perseguem?
Marinheiro, marinheiro
Você perdeu o receio daquele barco?
O velho barco quebrado  que é você
Marinheiro, marinheiro
Você sentiu o cheiro de casa?
Seus companheiros estão em terra
Marinheiro, marinheiro
Como você navega pelo desfiladeiro?
Como você luta com o desespero?
Marinheiro, marinheiro
Eu achei sua âncora e seu atlas
Mas eles pertencem a outro senhor
Marinheiro, marinheiro
Você desistiu do seu destino?
Você abandonou sua tripulação
Marinheiro, marinheiro
Onde será seu enterro?
Porque você está morto afinal
Marinheiro, marinheiro
Se eu disser que te odeio
Pois você abandonou sua tripulação?
Marinheiro, marinheiro
Você me responderia
Se eu dissesse que te odeio?
Marinheiro, marinheiro
Se você está morto afinal
Porque eu sou um fantasma?
Marinheiro, marinheiro
Onde seu coração está?
Porque eu não quero mais sofrer
Marinheiro, marinheiro
Quem é você afinal?
Porque eu sou um espectro de quem você foi
Marinheiro, marinheiro
Se eu matar meus companheiros
E abandonar a tripulação
Marinheiro, marinheiro
Eu vou ser livre do desespero?
A escuridão vai me abandonar?
Marinheiro, marinheiro
Por que eu sou tão triste
Se sou um fantasma solitário?
Marinheiro, marinheiro
Eles dizem que você é o pior
Aquele que nunca deveria ter existido
Marinheiro, marinheiro
O que isso diz sobre mim?
Se você, afinal, não tivesse nascido
Como eu poderia estar aqui?
Marinheiro, marinheiro
Se você recuperar sua âncora e seu atlas
Se você recuperar sua tripulação
Você me aceita?
Marinheiro, marinheiro
Se você estiver vivo afinal
Você me empresta seu nome?
Porque eu estou cansado de sofrer
Marinheiro, marinheiro
Se eu for seu herdeiro
Você me deixa navegar naquele velho barco?
Marinheiro, marinheiro
Você me deixa ser a própria morte?
Porque eu não quero mais sofrer.
Marinheiro, marinheiro
Você permite que eu seja apenas um fantasma
Vagando sem rumo pela escuridão?
Marinheiro, marinheiro
Você permite que eu me mate
Para não fazer mais ninguém sofrer?
Marinheiro, marinheiro
Por que tudo mudou?
Era mais fácil quando todos éramos sonhadores
Marinheiro, marinheiro
Eu quero ser novamente um marinheiro
Para que eu sinta o cheiro de casa
Marinheiro, marinheiro
Se eu não sou mais marinheiro
Eu posso abandonar o barco?
Marinheiro, marinheiro
Eu quero abraçar o mar
Marinheiro, marinheiro
Eu quero sangrar com o mar.
Marinheiro, marinheiro
Eu quero entender por inteiro
Por que eu deixei de ser marinheiro
Marinheiro marinheiro
Eu vou virar seu companheiro
Vamos estar mortos afinal.
Parte de uma história e meio que um desabafo também.
Escrito em 08/11/16, numa viagem de ônibus intermunicipal, de manhã bem cedo.
Série "Marinheiro, marinheiro".

("Sailor, sailor")
Rui Serra Sep 2015
vento
primavera,
ao longe uma música estranha

sinto a vida escorrer
sinto a sombra das almas passar
com uma sede louca pelo néctar da vida

agrilhoadas pela putrefacção da sua demência
percorrem os caminhos efémeros
rumo ao salão dos mortos

a lua respira
num último adeus à eternidade
numa interminável noite sem estrelas

no trono
o herdeiro da morte

dança
no fogo do inferno
sou prisioneiro dentro de mim

no ventre de satanás
pobre homem empalado
banha-se no sangue
dos amanhãs do mundo

estou pronto para abandonar
esta vida mundana
e entregar-me à magnificência
do seu SER

e o diabo cospe na divindade
LUNA May 2018
todos aqueles que escreveram as músicas que eu amo estão mortos. enterrados sobre grama e concreto em diferentes partes do mundo. os artistas que pintaram as telas que me alegram dentro e fora dos museus também. já não há mais fotógrafos do the post espalhados pela cidade que captariam uma foto do nosso beijo na times square. no fim, cabe a mim escrever e representar a arte dessa jornada
Serafeim Blazej Jun 2017
Marinheiro, marinheiro
Se vamos estar mortos, companheiro
Por que lutar contra o desespero?
04/03/2017, madrugada.
Mariana Seabra Jun 2022
Ó terra fria e suja,
Com que os vivos me taparam...
Fui acorrentada
       aprisionada
       encaixotada
Cabeça, corpo e alma soterrada,
Quando ainda não tinha idade...
Era bela e tenra a idade para me saber salvar.

A criança que fui, se é que a fui,
Jaz numa campa, jaz lá deitada.
Tornou-se um símbolo de pureza,
Da minha inocência arruinada.
Mal fechou os olhos, soltou-se o último suspiro,
Abriu-se a Terra e ouviu-se em grito:

"És só mais uma pessoa estragada!
Bem-vinda ao mundo real,
Aí em cima, estar partida é requisito.
Desce cá abaixo, atira-te sem medos,
tenho muito para te ensinar!
Aqui somos todos filhos do Diabo,
Dançamos com ele lado a lado,
Aniquilamos o que em nós já estava manchado,
Destruímos a ferro e fogo o ódio e o pecado,
Renascemos livres e prontos para amar.
Anda recuperar a pureza que te tentaram matar!"

Bichos do solo que devoravam
O meu corpo gélido e petrificado.
Via-os passar por cima do meu olhar desesperado,
Comiam o que restava do meu coração.
Quase, quase adormecido...
Quase, quase devorado...
Quase, quase esquecido....
É bom relembrar-me que estou só de passagem,
Enquanto me entrego ao sonho e a esta última miragem
Da violência, da ganância, da frieza, da ignorância,
Que só os vivos desta Terra conseguem revelar.


Acharam eles que me iam quebrar!

Belo truque de ilusionismo!
Foi o que me tentaram ensinar.
Levei metade da vida para me desapegar
De todos os maus ensinamentos que me tentaram pregar.
Mas não sou Cristo para me pregarem,
Prefiro crucificar-me já.
Nem sou Houdini para me escapar,
Prefiro o prazer que ficar me dá.
A minha maneira é mais barbária,
Abri caminho à machadada,
Incendiei a cruz e a aldeia inteira,
Rebentei com o caixão onde estava enfiada.
Fui à busca da liberdade, para longe.
Bem longe, onde não me pudessem encontrar.
Não encontrei a liberdade, essa já a tinha, já era minha.
Mas reencontrei a inocência que há tanto queria recuperar.

Chamem-me bruxa moderna!
Mulher sensitiva, sonhadora, intuitiva,
Que vê além do que os sentidos mostram,
Que sente além da fronteira que nos separa do invisível.
Neta, bisneta, trisneta, tetraneta,
De mulheres poderosas e ancestrais.
Das chamadas "bruxas originais"
Que os cobardes não conseguiram queimar.
E bem que as tentaram erradicar!
Mas a magia sobrevive à História!
Poder senti-la hoje, poder perpetua-la,
Essa será sempre a nossa vitória, pertence a todas as mulheres.

Que venham agora tentar apanhar-me!

Solto-lhes as chamas do Inferno,
Onde os deuses me escolheram forjar.

Ai, a crueldade que este mundo traz...

Só mesmo as pessoas, essa raça sadia que é capaz
De destruir o seu semelhante, manipular o seu próprio irmão,
Sem um único pingo de compaixão.
Pegam na pá, cavam-lhe o precipício,
São os primeiros a empurrarem-no ao chão.
Reparem bem...Disse "pessoas",
Que é bem diferente de "seres-humanos",
Essa é a questão.
Porque quem sabe ser-humano, sabe bem daquilo que escrevo,
Não é indiferente à sua própria condição,
Limitada, defeituosa, machucada.
Basicamente, não valemos nada! Que alívio, admiti-lo.
Loucos são os que vivem na ilusão
De serem superiores aos bichos do solo.
Os mesmos que vos vão devorar os olhos no caixão.

(...)

Ó terra fria e suja
Com que me taparam...
De lágrimas foste regada,
De ti surgiu o que ninguém sonhava,
Um milagre que veio pela calada.
Um girassol!
Com pétalas de água salgada
Que sai pelo seu caule disparada.
És tudo, simultaneamente!
És nascente do rio e és fonte avariada.
Pura água! onde toda a gente mergulhava,
Apesar de não saberem lá nadar.
Não paravam para a beber, quanto mais para a apreciar.

Talvez tenha sido numa noite de luar,
Que conheci uma ave rara...
Uma beija-flor colorida, com olhos castanhos de encantar,
Formas humanas, magníficas,
E uma voz melódica de fazer arrepiar.
Talvez tenha sido num dia de sol,
Que ela me observara, indecisa sobre a partida ou chegada.
Porque é que em mim pousara?
Não sei. Não a questionei.
Fiquei encantada! Estava tão tranquila
Que quase... quase flutuava, como uma pena soprada,
Enquanto ela penicava a minha água salgada,
Banhava-se na minha corrente agitada,
Sentia os mil sabores enquanto a devorava,
Absorvia-me no seu corpo sem medo de nada.
Não havia presente, passado ou futuro!
Só havia eu, ela e as semelhanças que nos representam,
Os opostos que nos atraem e complementam,
O amor que é arrebatador, ingénuo e puro.

Nessa noite, nesse dia, descobri que a água amava!
Como é que posso dizer isto de uma coisa inanimada?
Vejo vivos que já estão mortos,
Submersos nos seus próprios esgotos mentais.
Vejo coisas que estão vivas,
Como a água que nunca pára,
Não desiste de beijar a costa por mais que ela a mande para trás.
Ela vai! Mas sempre volta.
Se o amor não é isso, então que outro nome lhe dás?

Podia jurar que ouvi a água a falar...
Que sina a minha!
Outra que disse que veio para me ensinar.
Envolveu-me nos seus braços e disse:
"Confia! Sei que é difícil, mas confia, deixa-te levar.
A água cria! A água sabe! A água sabe tudo!
Já se banharam nestes mesmos oceanos
Todas as gerações que habitaram este mundo.
É a água que esconde os segredos da humanidade,
Os seus mistérios mais profundos.
É a água que acalma, é a água que jorra, é a água que afoga,
Dá-te vida ao corpo, mas também a cobra."

Não era a água...estava enganada.
Era a minha ave rara quem me falara,
Quem me sussurrava ao ouvido,
Com um tom de voz quase imperceptível mas fluído.
Que animal destemido!
Decidiu partilhar um pouco de si comigo,
Decidiu mostrar-me que pode existir no outro
um porto de abrigo.
Teceu-me asas para que pudesse voar!
E disse "Vai! Voa! Sê livre!",
Mas depois de a encontrar, não havia outro sítio no mundo onde eu preferisse estar.
Ensinou-me a mergulhar, a não resistir à corrente,
A suster a respiração, controlar o batimento do coração,
Desbravar o fundo do mar, sem ter de lá ficar.

Verdade seja dita! Devo ter aprendido bem.
Verdade seja dita! Sempre à tona regressei.

Bem que me tentaram afogar! Eu mesma tentei.

Mas verdade seja dita! Sou teimosa, orgulhosa.
Se tiver de morrer, assim será! Mas serei eu!
Eu e só eu, que irei escolher quando me matar.

Pode parecer sombrio, dito da forma fria que o digo.
Mas verdade seja dita! Sinto um quente cá dentro,
Quando penso na liberdade de poder escolher
A altura certa que quero viver
Ou a altura certa que quero morrer.

(...)

Com as asas que me ofereceu,
Dedico-me à escrita, para que a verdade seja dita.
Da analogia, à hipérbole, à metáfora, à antítese.
Sou uma contradição maldita!
Sou um belo paradoxo emocional!
Prefiro voar só, a não ser quando bem acompanhada.
Porque neste longa jornada,
A que gosto de chamar de "vida" ou "fachada",
Há quem me ajude a caminhar.

Pela dura estrada, às vezes voo de asa dada.
Celebro com a minha ave rara a pureza reconquistada!
Permitimos que as nossas raízes escolham o lugar
Por onde se querem espalhar.
Seja na Terra, no Céu, no Mar.
Somos livres para escolher!
Onde, quando e como desejamos assentar.

(...)

Dizem que em Terra de Cegos,
Quem tem olho é Rei.
Digo-lhes que tinha os dois bem abertos!
Quando ao trono renunciei.

Não quero a Coroa, não ambiciono o bastão,
Não quero dinheiro para esbanjar,
Não quero um povo para controlar.
Quero manter o coração aberto!
E que seja ele a liderar!
Deixo o trono para quem o queira ocupar.
Para quem venha com boas intenções,
Que saiba que há o respeito de todo um povo a reconquistar.
Quem não tenha medo de percorrer todas as ruas da cidade,
Da aldeia, do bairro... desde a riqueza à precaridade.
Para quem trate com equidade todo o seu semelhante,
Seja rico ou pobre, novo ou velho, gordo ou magro,
inteligente ou ignorante.
Vamos mostrar que é possível o respeito pela diversidade!

Governemos juntos! Lado a lado!

(...)

O reflexo na água é conturbado...
Salto entre assuntos, sem terminar os que tinha começado.
Nunca gostei muito de regras e normas, sejam líricas, sociais ou gramaticais.
No entanto, quanto mais tempo me tenho observado,
Mais vejo que há um infinito em mim espelhado.
Sou eterna! Efémera...
Só estou de visita! E, depois desta vida,
Haverá mais lugares para visitar, outras formas para ser.
Só estou de visita! É nisso que escolho acreditar.
Vim para experienciar! Nascer, andar, correr,
Cair, levantar, aprender, amar, sofrer,
Repetir, renascer...

Ah! E, gostava de, pelo menos, uma grande pegada deixar.
Uma pegada bem funda, na alma de um outro alguém,
Como se tivesse sido feita em cimento que estava a secar.
Uma pegada que ninguém conseguirá apagar.

E, se neste mundo eu não me enquadrar?

Não faz mal! É porque vim para um novo mundo criar.
Para ser a mudança que ainda não existe,
Para ter o prazer de vos contrariar.

Sou feita de amor, raiva, luz, escuridão, magia,
Intensidade que vibra e contagia.
Giro, giro e giro-ao-sol, enquanto o sol girar.
Mesmo quando ele desaparece, para que a nossa lua possa brilhar.

Quem, afinal, diria?
Que o amor que me tentaram assassinar,
Cresceu tão forte em agonia
Que tornou-se tóxico, só para os conseguir contaminar.
E inundar, e transbordar, quem sabe, para os mudar.
Como que por rebeldia, estou habituada a ser a que contraria.
Prefiro fazer tudo ao contrário!
Em vez de me deixar ser dominada, prefiro ser eu a dominar.
Mais depressa me mantenho fiel à alma que me guia,
Do que a qualquer pessoa que me venha tentar limitar.
Nunca fui boa a ser o que o outro queria.
Nunca foi boa a reduzir-me, para me certificar que no outro haveria um espaço onde eu caberia.

Uma mente que foi expandida
Jamais voltará a ser comprimida!
Nunca mais será enclausurada! Num espaço fechado
                                                         ­                         pré-programado
                         ­                                                         condicio­nado
Cheio de pessoas com o espírito acorrentado,
Que se recusam a libertar das suas próprias amarras,
Quebrar antigos padrões, olhar para fora da caverna,
Em direção ao mundo que continua por ser explorado.

"Então é aqui a Terra? O tal Inferno que me tinham falado!"

Sejam livres de prisões!
Revoltem-se, unam-se, libertem-se!
A vocês e aos vossos irmãos!
Vão ao passo do mais lento!
Certifiquem-se que ninguém fica para trás!
Sejam fortes e valentes!
Mostrem que, com todos juntos,
A mudança será revolucionária e eficaz!
Apoiem-se uns aos outros!
Não confiem no Estado!
Dêem a mão uns aos outros, sejam o apoio que vos tem faltado!

(...)

Carrego a luz que dei à vida e, reclamo-a para mim.
Não me importo de a partilhar,
Faço-o de boa vontade!
Este mundo precisa de menos pessoas e mais humanidade.
Esta humildade, esta forte fragilidade,
Brotou das mortes que sofri, de todos os horrores que já vi.
Brotou força, de todas as lutas que sobrevivi.
Brotou sabedoria, de todos os erros que cometi,
De todos aqueles que corrigi, e dos que ainda não me apercebi.

Criei-me do nada.
Resisti!
Como uma fénix sagrada e abençoada,
Moldei-me sem fim, nem começo...
Queimei o passado, sem o ter apagado.
Ensinei-me a manter os olhos para a frente.
Permiti-me à libertação!
De enterrar o que me tentou destruir anteriormente.

Moro no topo da montanha.
Amarela, azul, verde e castanha.
A tal montanha que só por mim é avistada,
No novo mundo que criei para a minha alma cansada.

Moro no topo de céu.
Numa casa feita de girassóis sem fim, nem começo...
Que plantei para oferecer à minha ave rara,
Ao meu beija-flor colorido. O meu beija-flor preferido!
Que me veio ensinar que o amor existe.
Afinal ele existe!
E é bruto. Intoxicante. Recíproco.
Mas nem sempre é bonito.
Seja como for, aceito o seu amor!

Este dedico-te a ti, minha beija-flor encantada.
Tu! Que me vieste manter viva e apaixonada.
Porque quando estás presente,
A Terra não é fria, nem enclausura. Ao pé de ti, posso ser suja!
Acendes a chama e fico quente!
Porque quando estás presente,
Iluminas-me a cabeça, o corpo, a alma e a mente.
Porque quando estás presente,
Sinto que giro-ao-sol e ele gira cá.
E, se existe frio, não é da Terra.
É o frio na barriga!
Por sentir tanto amor! é isso que me dá.
hi da s Oct 2017
não sei onde aprendi que o medo é irracional e é uma resposta do cérebro. teu corpo não sente medo e sim um órgão que mais parece um punhado de minhocas encurraladas.
por um tempo eu juro que achava não ter medo de morrer, talvez só um leve pavor de sentir dor.
e o tempo funciona mesmo de formas estranhas e complexas. houve períodos que não cogitava pensar em morrer, mas agora parece que tudo mudou e o pavor da morte surgiu acumulado.
esse medo é o do nada ou do tudo que pode vir depois. ninguém pode me responder ao certo. meus avós já mortos não voltaram em sonho nem deixaram uma mensagem sobrenatural sobre nada. talvez isso já seja uma prova de que a morte é de fato um grande nada.
isso tudo é assustador. pensar que tu só tem uma chance pra acertar. e só de saber que não vais mais experimentar o mundo é sufocante.
como pensar na morte tranquilamente natural se vários prazeres que o corpo em conjunto com a vida são as coisas que me fazem querer continuar?
não consigo aceitar que um dia eu não vou mais sentir o calor do sol tocando a minha pele. cheirar aquela brisa do mar assim que se chega na praia. ver alguém que tu ama muito tendo um dia bom e ver ela sorrir. ouvir pela primeira vez uma música boa. observar alguma peculiaridade no meio do caminho que aparentemente ninguém mais notou. olhar pra um por do sol e pensar que aquele tem todas novas cores e que cada dia um é diferente do outro. pensar a toa sobre coisas bonitas que acompanham a gente durante o dia. aprender algo. algo bom. fazer **** com alguém. fazer **** consigo mesma. rir sozinha. rir com alguém. dançar. conhecer alguém novo. chorar. escrever. desenhar. ver. ouvir. falar. gritar. gemer. sussurrar. fumar. comer. sentir emoções. pensar. imaginar. criar.
todo um paragrafo infinito de realizações que de repente para de funcionar. vivemos quase sempre menos de cem anos e ainda é pouco porque o mundo pra gente é absurdamente infinito. e tão grande que dá agonia pensar. viajar por todo continente e saber que não dá pra ver tudo. sobre todos os mais minuciosos detalhes. sufoco. me sinto sufocada e não tem nenhuma pressão em cima de mim, exceto por mim mesma. felicidade. vou parar por aqui.
Victor Marques May 2023
Com a alma na morte encontramos vida,
Crença que a morte não é despedida!
Almas individuais contínuas com ou sem contratempos,
Ressuscitam os mortos no fim dos tempos.


Alma perene e imortal,
Não física, mas espiritual.
Renascer com esplendor,
Agradeço ao Criador ,
Deus da vida,  do amor.


A carne não precisa de ressurreição,
Alma do meu espírito em comunhão.
Alma que vives de uma forma imperecivel,
Parecendo que outra vida é possível.


Seremos imunes à morte com o espírito libertado,
Céu resplandecente sem dor, nem pecado.
Paraiso celestial de Deus ressuscitado,
Com Deus Pai,  Filho e Espírito consagrado.
Deus, espírito, alma,criação

— The End —