Submit your work, meet writers and drop the ads. Become a member
Danielle Furtado Nov 2014
Nasceu no dia dos namorados. Filho de mãe brasileira com descendência holandesa e pai português. Tinha três irmãos: seu gêmeo Fabrício, o mais velho, Renato, e o terceiro, falecido, que era sua grande dor, nunca dizia seu nome e ninguém se atrevia a perguntar.
A pessoa em questão chamaremos de Jimmy. Jimmy Jazz.
Jimmy morava em Portugal, na cidade de Faro, e passou a infância fazendo viagens ao Brasil a fim de visitar a família de sua mãe; sempre rebelde, colecionava olhares tortos, lições de moral, renegações.
Seu maior inimigo, também chamado por ele de pai, declarou guerra contra suas ideologias punk, seu cabelo que gritava anarquismo, e a vontade que tinha ele de viver.
Certo dia, não qualquer dia mas no natal do ano em que Jimmy fez 14 anos, seu pai o expulsou de casa. Mais um menino perdido na rua se tornou o pequeno aspirante à poeta, agora um verdadeiro marginal.
Não tinha para onde ir. Sentou-se na calçada, olhou para seus pés e agradeceu pela sorte de estar de sapatos e ter uma caneta no bolso no momento da expulsão, seu pai não o deixara com nada, nem um vintém, e tinha fome.
Rondou pelas mesmas quadras ao redor de sua casa por uns dias, até se cansar dos mesmos rostos e da rotina daquela região, então tomou coragem e resolveu explorar outras vidas, havia encontrado um caderno em branco dentro de uma biblioteca pública onde costumava passar o dia lendo e este seria seu amigo por um bom tempo.
Orgulhoso, auto-suficiente, o menino de apenas 14 anos acabou encontrando alguém como ele, por fim. Seu nome era Allan, um punk que, apesar de ainda ter uma casa, estava doido para ir embora viver sua rotina de não ter rotina alguma, e eles levaram isso muito à sério.
Logo se tornaram inseparáveis, arrumaram emprego juntos, que não era muito mas conseguiria mantê-los pelo menos até terminarem a escola, conseguiram alugar uma casa e compraram um cachorro que nunca ganhou nome pois não conseguiam entrar em acordo sobre isso, Jimmy tinha também um lagarto de estimação que chamava de Mr. White, sua paixão.
Os dois amigos começaram a frequentar o que antes só viam na teoria: as festas punk; finalmente haviam conseguido o que estavam procurando há tempos: liberdade total de expressão e ação. Rodeados por todos os tipos de drogas e práticas sexuais, mas principalmente, a razão de todo o movimento: a música.
Jimmy tinha inúmeras camisetas dos Smiths, sua banda favorita, e em seu quarto já não se sabia a cor das paredes que estavam cobertas por pôsteres de bandas dos anos 80 e 90, décadas sagradas para qualquer amante da música e Jimmy era um deles, sem dúvida.
Apesar da vida desregrada que levava com o amigo, Jimmy conseguiu ingressar na faculdade de Letras, contribuindo para sua vontade de fazer poesia, e Allan em enfermagem. Os dois, ao contrário do que seus familiares pensavam, eram extremamente inteligentes, cultos, criaram um clube de poesia com mais dois ou três amigos que conheceram em uma das festas e chamaram de "Sociedade dos Poetas Mortos... e Drogados!", fazendo referência ao filme de  Peter Weir.
O nome não era apenas uma piada entre eles, era a maior verdade de suas vidas, eles eram drogados, Jimmy  era viciado em heroína, Allan também mas em menos intensidade que seu parceiro.
Jimmy não era hétero, gay, bissexual ou qualquer outra coisa que se encaixe dentro de um quadrado exigido pela sociedade, Jimmy era do amor livre, Jimmy apenas amava. E com o passar o tempo, amava seu amigo de forma diferente, assustado pelo sentimento, escondeu o maior tempo que pôde até que o sentimento sumisse, afinal é só um hormônio e a vida voltaria ao normal, mas a amizade era e sempre seria algo além disso: uma conexão espiritual, se acreditassem em almas.
Ambos continuaram suas vidas sendo visitados pela família (no caso de Jimmy, apenas sua mãe) duas vezes ao ano, no máximo, e nesses dias não faziam questão de esconderem seus cigarros, piercings ou qualquer pista da vida que levavam sozinhos, afinal, não os devia mais nada já que seus vícios, tanto químicos quanto musicais, eram bancados por eles mesmos.
Era 14 de fevereiro e Jimmy completara 19 anos, a vida ainda era a mesma, o amigo também, mas sua saúde não, principalmente sua saúde mental.
O poeta de sofá, como alguns de nós, sofria de um existencialismo perturbador, o mundo inteiro doía no seu ser, e não podia fazer muito sobre aquilo, afinal o que poderia fazer à respeito senão escrever?
Até pensou em viver de música já que tocava dois instrumentos, mas a ideia de ter desconhecidos desfrutando ou zombando dos seus sentimentos mais puros não lhe era agradável. Continuou a escrever sobre suas dores e amores, e se perguntava por que se sentia daquela forma, por que não poderia ser como seu irmão que, apesar de possuírem aparência idêntica, eram extremos do mesmo corpo. Fabrício era apenas outro cidadão português que chegava em casa antes de sua mãe ficar preocupada, não que ele fosse um filho exemplar, ele só era... normal, e era tudo que Jimmy não era e jamais gostaria de ser; aliás, ter uma vida comum era visto com desprezo pelos olhos dele, olhos que, ainda tão cedo, haviam visto o melhor e o pior da vida, já não acreditava em nada, nem em si mesmo, nem em deus, nem no universo, nem no amor.
Como poderia alguém amar uma pessoa com tanta dor dentro de si? Como ele explicaria sua vontade de morrer à alguém que ele gostaria de passar a vida toda com? Era uma contradição ambulante. Uma contradição de olhos azuis, profundos, e com hematomas pelo corpo todo.
Aos 20 anos, o tédio e a depressão ainda controlavam seu estado emocional a maior parte do tempo, aos domingos era tudo pior, existe algo sobre domingo à tarde que é inexplicável e insuportável para os existencialistas, e para ele não seria diferente. Em um domingo qualquer, se sentindo sozinho, resolveu entrar em um chat online daqueles famosos, e na primeira tentativa de conversa conheceu uma moça do Brasil, que como ele, amava a banda Placebo e sendo existencialista, também sofria de solidão, o que facilitou na construção dos assuntos.
Ela não deu muita importância ao português que dizia "não ser punk porque punks não se chamam de punks", já estava cansada de amores e amizades à distância, decidiu se despedir. O rapaz, insistente e talvez curioso sobre a pessoa com quem se deparara por puro acaso, perguntou se poderiam conversar novamente, e não sabendo a dor que isso a causaria, cedeu.
Assim como havia feito com Allan, Jimmy conquistou Julien, a nova amiga, rapidamente. De um dia para o outro, se pegou esperando para que Jimmy voltasse logo para casa para que pudessem conversar sobre poesia, música, começo e fim da vida, todos os porquês do mundo em apenas uma noite, e então perceberam que já não estavam sozinhos, principalmente ela, que havia tempo não conhecia alguém tão interessante e único quanto ele.
Não demorou muito para que trocassem confidências e os segredos mais íntimos, mas nem tudo era tão sério, riam juntos como nunca antes, e todos sabem que o caminho para o coração de uma mulher é o bom humor, Julien se encontrava perdidamente apaixonada pelo ****** que conhecera num site de relacionamentos e isso se tornaria um problema.
Qualquer relacionamento à distância é complicado por natureza, agora adicione dois suicidas em potencial, um deles viciado em heroína e outra que de tão frustrada já não ligava tanto para sede de viver que sentia, queria apenas ler poesia longe de todas as pessoas comuns, essas que ambos abominavam.
Jimmy era todos os ídolos de Julien comprimidos dentro de si. Ele era Marilyn Manson, era Brian Molko, era Gerard Way, Billy Corgan, Kurt Cobain, mas acima de todos esses, Jimmy era Sid Vicious e Julien sonhava com seus dias de Nancy.
Ele era o primeiro e último pensamento dela, e se tornou o tema principal de toda as poesias que escrevia, assim como as que lia, parecia que todas eram sobre o luso-brasileiro que considerava sua cópia masculina. Jimmy, como ela, era feminista, cheio de ideologias e viciado em bandas, mas ao contrário dela, não teria tanto tempo para essas coisas.
Estava apaixonado por um rapaz brasileiro, Estêvão, que também dizia estar apaixonado por ele mas nunca passaram disso, e logo se formou um semi-triângulo amoroso, pois Julien sabia da existência da paixão de Jimmy, mas Estêvão não sabia que existia outra brasileira que amava a mesma pessoa perdidamente. Não sentiu raiva dele, pelo contrário, apoiava o romance dos dois já que tudo que importava à ela era a felicidade de Jimmy, que como ela, era infeliz, e as chances de pessoas como eles serem felizes algum dia é quase nula.
O brasileiro era amante da MPB e da poesia do país, assim como amava ouvir pós-punk e escrever, interesses que eram comum aos três perdidos, mas era profissional para ele já que conseguira que seus trabalhos fossem publicados diversas vezes. Se Jimmy era Sid Vicious, Julien desejava ser Nancy (ou Courtney Love dependendo do humor), Estêvão era Cazuza.
Morava sozinho e não conseguia se fixar em lugar algum, estava à procura de algo que só poderia achar dentro dele mesmo mas não sabia por onde começar; convivia com *** há alguns meses na época, mas estava relativamente bem com aquilo, tinha um controle emocional maior do que nosso Sid.
Assim como aconteceu com Allan e Julien, não demorou muito para que Estêvão caísse nos encantos de Jimmy, que não eram poucos, e não fazia mais tanta questão de esconder o que sentia por ele. Dono de olhos infinitamente azuis, cabelo bagunçado que mudava de cor frequentemente, corpo magro, pálido, e escrevia os versos mais lindos que poderia imaginar, Jimmy era o ser mais irresistível para qualquer um que quisesse um bom tema para escrever.
--
Julien era de uma cidade pequena do Brasil, onde, sem a internet, jamais poderia ter conhecido Jimmy, que frequentava apenas as grandes cidades do país. Filha de pais separados, tinha o mesmo ódio pelo pai que ele, mas diferente do amigo, seu ódio era usado contra ela mesma, auto-destrutiva é um termo que definiria sua personalidade. Era de se esperar que ela se apaixonasse por alguém viciado em drogas, existe algo de romântico sobre tudo isso, afinal.
Em uma quarta-feira comum, antecipada por um dia nublado, escreveu:

Minhas palavras, todas tiradas dos teus poemas
Teu sotaque, uma voz imaginada
Que obra de arte eram teus olhos
Feitos de um azul-convite

E eu aceitei.


Jimmy era agora seu mundo, e qualquer lugar do mundo a lembrava dele. Qualquer frase proferida aleatoriamente em uma roda de amigos e automaticamente conseguia ouvir sua opinião sobre o assunto, ela o conhecia como ninguém, e em tão pouco tempo já não precisavam falar muita coisa, os dois sabiam dos dois.
Desejava que Jimmy fosse inteiramente dela, corpo e mente, que cada célula de seu ser pudesse tocar todas as células do dela, e que todos os pensamentos dele fossem sobre amá-la, mas como a maioria das coisas que queria, nada iria acontecer, se achava a pessoa mais azarada do mundo (e provavelmente era).
Em uma noite qualquer, após esperar o dia todo ansiosa pela hora em que Jimmy voltaria da faculdade, ele não apareceu. Bom, ele era mesmo uma pessoa inconstante e já estava acostumada à esse tipo de surpresa, mas existia algo diferente sobre aquela noite, sabia que Jimmy estava escondendo alguma coisa dela pois há dias estava estranho e calado, dormia cedo, acordava tarde, não comia, e as músicas que costumavam trocar estavam se tornando cada vez mais tristes, mas era inútil questionar, apesar da intimidade, ele se tornara uma pessoa reservada, o que era totalmente compreensível.
Após três ou quatro dias de aflição, ele finalmente volta e não parece bem, mesmo sem ver seu rosto, conhecia as palavras usadas por ele em todos os momentos. Preocupada com o sumiço, foi logo questionando sua ausência com certa raiva e euforia, Jimmy não respondia uma letra sequer. Julien deixou uma lágrima escorrer e implorou por respostas, tinha a certeza de que algo estava muito errado.
"Acalme-se, ou não poderei lhe contar hoje. Algo aconteceu e seu pressentimento está mais que correto, mas preciso que entenda o meu silêncio", disse à ela.
Julien não respondeu nada além de "me dê seu número, sinto que isso não é algo que se conta por escrito".
Discando o número gigantesco, cheio de códigos, sabia que assim que terminasse aquela ligação teria um problema muito maior do que a alta taxa que é cobrada por ligações internacionais. Ele atendeu e começou a falar interrompendo qualquer formalidade que ela viria a proferir:

– Apenas escute e prometa-me que não irá chorar.
Ela não disse nada, aceitando a condição.
– Há tempos não sinto-me bem, faço as mesmas coisas, não mudei meus costumes, embora deveria mas agora é tarde demais. Sinto-me diferente, meu corpo... fraco. Preciso te contar mas não tenho as palavras certas, acho que nem existem palavras certas para o que estou prestes à dizer então serei direto: descobri que sou *** positivo. ´
Um silêncio quase mórbido no ar, dos dois lados da linha.
Parecia-se com um tiro que atravessou o estômago dos dois, e nenhum podia falar.
Julien quebrou o silêncio desligando o telefone. Não podia expressar a dor que sentia, o sentimento de injustiça que a deixava de mãos atadas, Ele era a última pessoa do mundo que merecia aquilo, para ela, Jimmy era sagrado.

Apenas uma pessoa soube da nova situação de Jimmy antes de Julien: Allan.
Dois dias antes de contar tudo à amiga, Jimmy havia ido ao hospital sozinho, chegou em casa mais cedo, sentou-se no sofá e quis morrer, comparou o exame médico à um atestado de óbito e deu-se por morto. Allan chegou em casa e encontrou o amigo no chão, de olhos inchados, mãos trêmulas. Tirou o envelope de baixo dos braço de Jimmy, que o segurava como se fosse voar a qualquer instante, como se tivesse que apertar ao máximo para ter certeza de que aquilo era real. Enquanto lia os papéis, Jimmy suplicava sua morte, em meio à lágrimas, Allan lhe beijou como o amante oculto que foi por anos, com lábios fracos que resumiam a dor e o medo mas usou um disfarce para o pânico que sentia e sussurrou "não sinto nojo de ti, meu amigo, não estás morto".
Palavras inúteis. Já não queria ouvir nada, saber de nada. Jimmy então tentou dormir mas todas as memórias das vezes que usou drogas, que transou sem saber com quem, onde ou como, estavam piscando como flashes de luz quase cegantes e sentia uma culpa incomparável, um medo, terror. Mas nenhuma memória foi tão perturbadora quanto a da vez em que sofreu abuso ****** em uma das festas. Uma pessoa aleatória e sem grande importância, aproveitou-se do menino pálido e mirrado que estava dormindo no chão, quase desmaiado por culpa de todo o álcool consumido, mas ainda consciente, Jimmy conseguia sentir sua cabeça sendo pressionada contra a poça d'água que estava em baixo de seu corpo, e ouvia risos, e esses mesmos risos estavam rindo dele agora enquanto tentava dormir e rezava pra um deus que não acredita para que tudo fosse um pesadelo.
----
Naquele dia, Jimmy, que já era pessimista por si só, prometeu que não se trataria, que iria apenas esperar a morte, uma morte precoce, e que este seria o desfecho perfeito para alguém que envelheceu tão rápido, mas ele não esperaria sentado, iria continuar sua vida de auto-destruição, saindo cedo e voltando tarde, dormindo e comendo mal, não pararia também com nenhum tipo de droga, principalmente cigarro, que era tão importante quanto a caneta ao escrever seus poemas, dizia que sentir a cinza ainda quente caindo no peito o inspirava.
Outra manhã chegou, e mesmo que desejasse com toda força, tudo ainda era real, seus pensamentos eram confusos, dúvidas e incertezas tão insuportáveis que poderiam causar dores físicas e curadas com analgésicos. Trocou o dia pela noite, já não via o sol, não via rostos crús como os que se vê quando estamos à caminho do trabalho, só via os personagens da noite, prostitutas, vendedores de drogas, pessoas que compravam essas drogas, e gente como ele, de coração quebrado, pessoas que perderam amigos (ou não têm), que perderam a si mesmos, que terminaram relacionamentos até então eternos, que já não suportavam a vida medíocre imposta por uma sociedade programada e hipócrita. Continuou indo aos mesmos lugares por semanas, e já não dormia em casa todos os dias, sempre arrumava um espaço na casa de algum amigo ou conhecido, como se doesse encara
D. Furtado
hi da s Jul 2019
há esse instrumento lindo que é o baixo
e que pouca gente se importa
digo verdadeiramente.

àqueles que de fato conseguem ouvir as cordas do baixo na composição são verdadeiros profissionais dos sentidos, percebedores das delicadas provocações que enquanto seres criadores pudemos trazer no mundo.

um instrumento tão sutil que não costuma ter seus solos, mas que sem ele faz falta a ausência.
só que quando põe-se a mostra e é satisfatoriamente dado seu devido valor e a caixa se abre. e se abre e se abre e ecoa seu grave maduro e tremitante, como se quase pudesse pronunciar palavras com batata na boca.

as cordas grossas e o cabo comprido quando tocados pelas mãos e em sincronia simulam um desejo ardente pelo nirvana.
COISAS DO ARCO DA VELHA

- Os etês gostam de bunda. Foi o que captei da conversa entre as meninas, enquanto caminhava no calçadão do Liceu.
- Tem caras que não gostam, né; acho que não são chegados; comer um cuzinho será que não faz bem?!
- Cruz credo! Exclamei mentalmente, e segui meu caminho rumo ao Fórum, que fica em frente.
Elas vieram na minha direção, a passos firmes, olhar direto, "você tem fogo...", perguntou a morena pele-de-cuia, "e como tem", observou a loira de olhos azuis, típica europeia, me examinando de cima a baixo, parando os olhos, ostensivamente, na minha barriguilha; "te vejo sempre por aqui", disse a morena, enquanto eu lhe entregava o isqueiro; "é, estou sempre na cantina, tomando café; café de Fórum é choco, frio, fraco, e causa-me asia; então, venho na cantina, às vezes comer alguma coisa", concluí.
- Uma bucetinha, um cuzinho e o que mais? Indagou a loura, acendendo o cigarro.
- Você está sempre cercado de meninas! Não é à toa!! Vai ver é o maior safadão, pica doce.... Completou a morena, sempre combinando seus ataques com a colega.

O Liceu é uma escola destinada à classe média alta, concebida nos tempos do império, onde só entravam filhinhos de papai e seus apadrinhados do aparelho de estado. Mas isso dançou com o advento da república, e hoje, assim como os "Pedro II", recebem qualquer um, desde que aguentem suas provas de avaliação, pois ainda são um padrão de ensino almejado pelas camadas interessadas em ascensão social e tecnica. Seus prédios são construções coloniais, com arquitetura rebuscada, estilosos; janelões de madeira nobre, ainda insensíveis ao cupim. Uma coisa fantástica em termos de concepção, pois possuem salas espaçosas, bem arejadas, lousas imensas, mesas de cedro vernisadas, cheias de gavetas; seus corredores lembram aqueles do filme Harry Potter, sinistros de arrepiar. E no caso do Liceu Nilo Peçanha, de Niterói, Rio de Janeiro, tem um sótão, que seguramente foi planejado como adega, pois tem balcãozinho cheio de compartimentos para copos, taças e talheres, à frente de um espelho na parede em moldura de mogno  e uma silhueta vitoriana; além de um velho barril de carvalho, aonde, sem dúvida, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Lima Barreto e tantas outras celebridades literárias desta terra de orfandades iniciaram-se nos caminhos da radicalidade estética.

- Conhece o sótão do Liceu? Indagou a morena, quase ao pé do meu ouvido.
- É ideal para uma brincadinha... Insinuou ela. Respondi que lá eu já namorei, me embriaguei, estudei e fiz muita reunião do grêmio.
- Então é "liceano... Vamos!" Disseram ambas, quase em uníssono.
No rádio da cantina, exatamente às dez da manhã no meu Rolex, tocava uma canção, cujo trecho diz assim:" Deixa isso pra lá, vem pra cá, venha ver. Eu não tô fazendo nada, nem você também..." e seguia insinuando outras coisas, ditas pela voz de um dos meus tantos ídolos da mpb, Jair Rodrigues.

Bom, pra encurtar o lererê, a morena está aqui em casa há 32 anos. Já somos avós, e, nem os filhos nem os netos jamais saberão das nossas façanhas e quando lhe mostrei o rascunho deste texto, ela fitou-me com seu olhar fogueando e objetou: você não pôr aí os detalhes...
- Claro que não!! São nossas relíquias!

Re
A caída do tempo esmera-se no cuidado
Sonho que em câmara lenta a minha alma não se magoa
e a mágoa não se torna superior à vontade de viver
Por fim, desisto
Não acredito mais nas palavras que digo
Não tenho já certeza se vivo a sonhar
Ou se simplesmente gosto de me arrastar por entre a multidão
A sorrir, a mentir
Disseram-me um dia que partiria, sim
Mas que sozinha não iria a nenhures
Verdade
Tenho uma constante obsessão amarrada à perna
E cada passo que dou sinto a tonelada desse vazio
E os dois metro que ando entre o chão e o chão
São quilómetros na vida real
Que irreal 'e
Sinto a pedras na descida, mas não me magoam
São menos duras que a armadura que me venderam
E pregada esta já ao corpo está
Nada sinto
Nada quero sentir
Apenas jazo no poder do iniquo
Que diz-se Mundo
Que digo Inferno
O amor que tenho por vos faz-me ir devagar
Mas a raiva que sinto do estrume que sois
Apressa-me na descida
Sinto que equivocada estou com o Mundo que não me quer
E sei que ao rápido descer, rápido vou saber
Onde o futuro me leva
Me carrega
O medo que tenho de me trazer ao inicio do Tempo 'e muito
Mas o pavor de so nascer uma vez corroí-me os tímpanos.
Partem todos os que amo e vejo-os ao longe
Imagino se perto estivessem
Não conseguiria respirar o pouco ar que tenho
E se choro e agonizo
'e por este amor que me queria grande e forte
Mas que fraca me pôs no chão
Não julgarei ninguém ao querer cair
A paisagem 'e bonita e ao longe desfocada fica
Sentimos a analgesia de não se ser ninguém
Vem devagar, não me apresses o timbre
Afinal acredito em mim, acho que sempre acreditei
Apenas estava apagada na tua sombra
Que em cativeiro me deixava a alma
Amei-te como o Amor sente
Amo-te como a dor ama
E embora me empurres para baixo da ribanceira
Sorrio e minto
Para te ver feliz em cima da minha cabeça
Como sempre estiveste
Como sempre te deixei estar.
Letícia Costa Jul 2013
Parte do tempo percebemos que somos perfeito
A maior parte não paramos de falar
Eu seguro sua mão, você dá um sorriso
A gente se beija no meio fio

Meu corpo se mexe pra trás e pra frente
Aqui está pra prefeitura, aqui está o bar que nos vende tequila
Somos tão esquisitos que daria certo

Os cartões de crédito dela me perdoaram
Os cabelos enrolados me perdoaram
Por que você não pode me perdoar?
Somos tão esquisitos que daria certo

O garoto de óculos escuros me deu um gole daquela ***** barata
Você me deixou colocar a cabeça no seu ombro
Quando fomos embora você me seguro no colo
Somos tão esquisitos que daria certo

Esquerda, direita, cima e baixo
Só porque não temos joguinhos não quer dizer que não é certo

Você vive dizendo que quer me ver
Amo essa mescla de felicidade e receio
Quando fico triste você faz uma dança engraçada
Somos tão esquisitos que fica perfeito
De quem é a imagem que vejo no espelho?
Não é a mesma que me observo sem vê-la
Não possui a fonte existencial que lança os arredores para o interior
A única diferença entre mim e o que me permeia
É o corpo que carrego a todo instante, e dele os diálogos mentais que me definem como uma existência, pois as vozes que me surgem só eu posso ouvi-las e interpretá-las
Mas, talvez, a consciência seja simplesmente um canalizador e não uma fonte, pois as informações vêm de todos os lugares e ao mesmo tempo de um lugar só (ego).
De quem é a imagem que vejo quando olho para outra pessoa?
Não é a mesma imagem que essa outra existência se vê
Essa imagem que vejo faz parte de mim, sou eu, ou talvez o outro que vive em mim, que independe de uma consciência própria que não a minha.
Mas como eu me vejo?
Me vejo como acredito que os outros me vêem?
Eu sou o fruto das experiências passadas
Eu sou inconstante.
Totalmente renascido e irreconhecível a cada experiência
Mas isso é meu ego, o vidro mais frágil
O medo da solidão,
O medo da rejeição,
O ódio que é o medo de amar
O medo de amar que é o ódio por si mesmo
O **** é a carta coringa do desespero
O prazer de calar a dor
Mas o **** também dói, pois é a entrega de seu íntimo para outrem (você se diferencia) nós somos incapazes de amar o que é diferente, o **** fere o ego, pois o auge do prazer se dá com algo que nossa consciência insiste em odiar,
odiamos os outros, odiamos a nós mesmos
Mas é tudo ilusão
Ódio e medo, novamente, caminhando lado a lado
Mas é tudo ilusão
"O que está em cima está em baixo, não há diferença"
O que me define como singular?
Minhas roupas, meu cabelo, meu rosto, minha casa
meu carro, minha família, minha história
Fora isso quem sou?
Onde encontra-se a singularidade da voz que só minha mente escuta?
(Minhas ideias surgem de outras ideias que não são minhas
Eu sou o vazio)
Encontra-se no vazio, onde todos são iguais
Onde uma coisa não se diferencia da outra
Onde só nos resta amar, sem dor
A realidade é simplesmente aquilo em que acredito
Nada mais, nada menos
Pois o que os olhos não vêem o coração não sente
Melhor dizendo:
O que a mente não sente os olhos não vêem!
Depois de todo o devaneio
Me lembro...
Uma mulher, cujo a forma de sorrir,
a forma de morder os lábios,
o jeito com que ela me olha com o canto do olho
é totalmente singular, única
Mas não depende do ego, e nem de experiência
é algo inato, belo, não consigo odiar mesmo sendo diferente
Amor? sim
Mas algo diferente também
a vejo e amo como irmã, como mãe, como amante, como amiga
Amo sua existência como um todo
e não sei explicar
Ela escolheu não ficar comigo,
mas sempre vem a mim
Eu ainda continuo a ama-la, sem dor, nem sofrimento

Outra vez saio de uma discussão comigo mesmo sem respostas!
Como você me perturba?
Ontem eu tive um tratamento no palheiro às 11h, coluna, em uma pressa que deixei o apartamento virou 2 vezes a chave, puxou para baixo as escadas para o elevador, chamado lift, mas depois lembrou-se de que eu não trouxe uma célula, ele era importante, ela virou-se cima, para baixo as escadas, pegou a chave e foi para colocá-la na fechadura, quando ele não vai, tentar outra vez, não terceira, lâmpadas não claras não trabalham, alguma melancolia, agachou-se para ver que algo não é movido, eu olho para a chave que não fez quebrada, enrole-me suar, eu não posso acreditar que eu estou começando a ressentir-lo, mas estou atrasada para o tratamento, levantando-se desce as escadas, chamando o elevador, e montar a pensar para baixo, eu vou precisar de um serralheiro, não posso empurrar seu pai cadeia, eu sei para um Vracar verdadeira chave, pode ser entendido e valente, mas o sábado é quando você sabe que você não pode encontrá-lo, eu venho para a estação, ir para o carro, andar a curto, felizmente existem sinais que me levam a onde estou indo, uazim em edifício, o médico me recebe, colocando pressão sobre o ponto doloroso, me torcendo, você pode ter que voltar para pedir a um vizinho que você tem uma lanterna para tentar novamente, me transferido para eletricidade, laser e qual terceira sempre esqueço, deitado de lado, é bom gel frio, reclamar o que me aconteceu, me consolou, talvez seja tudo bem, ainda vou estar de volta para olhar de novo, eu vou ao troll, esperando o verde, acalme-se, ele estará ok, eu atravessar a rua, Proradice, eu venho para o prédio, entrar no elevador, apertando o botão para o quarto andar, e depois eu recebo um erro em etapas, começando a Eu ri, eu acho que se eu fosse um vídeo de vizinhos, subir as escadas sem nenhum problema de entrar no apartamento, eu continuar a rir, eu não posso acreditar que eu fiz, eles me disseram no apartamento abaixo não vive ninguém, felizmente, tomando móvel, tranca a porta, descendo as escadas, descer o elevador, dirigindo o troll, elabora kokija para honrar um pouco de açúcar, que alívio, estou saindo com meu almoço, eu penso em você, e achei que eu e minha confusão, eu não me importo chamada de reação, eu percebo que isso tem alguma coisa dentro, atire em mim, e quando b eu acredito que essa reunião é novamente possível, a lógica é imposta, se é um começo, este é o fim, ou o fim dos quais, e para escapar de permanecer em silêncio, que amanhã se encontrar com nenhum reconhecimento do problema permanecerá em nós.

mh, Maio de 2017
goldenhair Jun 2013
o que saia brotando do peito
inundava, invadia os poros da pele
entrava pelos cantinhos entre os dedos
por baixo das unhas, nos fios de cabelo

era como soda cáustica sobre a pele
um grito no vácuo, uma luz distante
um caminho de carvão em brasa
solidão.

pele morta, pele nova
era como (re)nascer
se livrar de um vício
assistir o alvorecer

contornar pro caminho de volta pra casa
com medo
era como (re)viver.
Alex DeLarge Aug 2013
Por causa de ti,
Eu deixei de dormir.
Por causa de ti,
É difícil eu me concentrar.
Por causa de ti,
Eu estou sempre sem ar.
Por causa de ti,
Eu estou sempre em baixo.
Por causa de ti,
Eu tenho marcas e cicatrizes.
Por causa de ti,
Eu acho que sou feio e não valho nada.
Por causa de ti,
Eu conheci a minha pior inimiga.
Por tua causa,
Depressão.
Mariah Tulli Oct 2014
Alice, Alice
Sempre reclamava alice:

-Como não me amar?
-Porque ter de ir embora?
-Posso eu ser pequena por fora e grande por dentro?

Pare de perguntas alice, me disseram que você andava feliz..

- Sim, eu andava, mas ele me fez encolher de novo

Ah minha querida, isso é passageiro, já já vem outro e você crescerá e
sua alma se elevará.

- Como tens certeza disso?

Ja te disse Alice, não perguntes, apenas acredite.

- Acredite, acredite.... Que frieza minha, achar que seria só meu.
- Como pude querer possessão?

Fácil, foi o ego, ele não iria suportar o fato concreto da perda,
então, se colocou a frente, fazendo-a acreditar que se a possessão não
existisse você iria por água a baixo ou melhor dizendo, por buraco abaixo, mas entenda minha querida alice, que....


A alma flutua, e se estivermos na direção errada
ela irá se afundar,como se estivesse caindo num fundo buraco,
só que enquanto você cai vai percebendo que quanto mais ela naufraga,
mais ela emerge,e continua flutuando, como num equilíbrio poético,
sem ter direção,sem ser julgada como errada ou certa, pois a vida é igual a chuva, ela cai e continua caindo, mas como num ciclo ela evapora e se transforma , se renovando, se equilibrando.
hi da s Oct 2017
quando que te lembras ter respirado pela última vez?
consegues olhar pro outro sem posicionar a cabeça pra baixo?
tocas em outra pele sem que ela se arrepie?
tens ainda força pra responder desconhecidos em ruas movimentadas?
consegues caminhar em meio a multidão e parar pra arrumar os sapatos sem ter vergonha de te observarem?
compartilhas teus medos?
sabes expressar tudo que se encontra dentro de ti pra fora de ti?
choras te olhando no espelho?
te incomoda pensar em tudo?
sobre estar em maus lençóis dentro do pensamento
Hakikur Rahman Apr 2021
O rio corre através do mar
Ora reto, ora dobrado
Não sabe por onde parar.

Na estação chuvosa fica inundada
Este lado, esse lado, ambos os lados ficam inundados
Leva tudo o que encontra na frente.

Aldeia de carros alegóricos, aldeias
Vai para baixo
Quanto do caminho e da área.

No verão, torna-se fino
Algumas rotas se tornam inacessíveis
O rio é único na era de quebrar e fazer
Então, nas páginas da vida
Observações pendentes.
Mariana Seabra Mar 2022
Peço desculpa pelos meus extremos.

Tenho tanta urgência em mim,

Tanto desespero,

Sei lá eu de quê.




Às vezes sinto-me sufocada dentro de mim mesma,

às vezes tenho duas mãos à volta do pescoço

e nem penso em me debater para as retirar.

Sempre fui um pouco masoquista, sempre consegui encontrar na

dor uma forma de a admirar.



São sensações que aparecem subitamente,

sinto o meu corpo a entrar numa agressiva combustão

que me arde em todo o lado e, logo depois, se esvanece

num grito calado.



E de repente,  

Fico demasiado pequena

Para aguentar o calor da minha própria erupção.



E esta alma inquieta luta,  

Protesta,

Escraviza-me,

Nem sequer me escuta,

Só arranha as paredes dentro de mim

À procura duma fenda por onde se escapar.




Mas porque me quer ela abandonar?!

  

Eu sei, e quero deixá-la ir!


Para a roda da fortuna que a veio seduzir, para o penhasco de onde

ela se quer mandar.

Sem sequer se questionar se terá uma rede por baixo que a vá

amparar.



Sempre fui assim, muita emoção e pouca razão.

Impulsiva, selvagem, bruta, desmedida,

em todos os assuntos que se relacionam com o coração.



“C(ALMA)”…grito-lhe de volta.



E afinal, ela ouve,

Mas não quer saber.



Às vezes dou por mim a chorar

Sem me aperceber de como comecei

E sem qualquer noção

De como irei parar.



Às vezes sinto a sua dor,  

E choro com ela,  

Enquanto ela me implora por uma última dança  

Contigo.



Enquanto eu lhe imploro

Algo muito semelhante.

Algo que se assemelhe a um porto de abrigo.



MAS CALMA NA ALMA!

Dobra os extremos

Junta-os num ponto não tão distante.

E assim, bailemos,

Sem fazer do amor um bailado agoniante.



Pois só no meio termo é que se dança bem quando pretendes dançar com uma acompanhante.
Mariana Seabra Mar 2022
Anular-me por outro?

                                Sacrilégio!

                                  
                            ­       Perder a beleza de me multiplicar com o outro?

                                      Tirar ao outro a beleza de nos pertencer?

                                                            Nem­ pensar.



Prefiro dar-te o privilégio

De me ter por inteiro!

Ser para ti todo o meu eu

                                incompleto    

               ­              mas verdadeiro.


                                                  É o ato mais régio!  

                              Conceder-te esse poder

                                               De ficares ao meu lado  

                                                     para me veres

                                                          cresc­er.

Não há nada de comum  

                                      em nós

em tudo isto,

Nem nunca vai haver.


                                          Somos a humanidade que Deus previu.

                                           Sejamos tudo o que conseguimos ser…

                                                E talvez a meio descobriremos  

                                      Que somos muito mais do que imaginávamos

                                              Faremos muito mais do pensamos  

                                                     ­       que seria possível  

                                                     ­                  fazer.

Há coisas que sentimos,  

Momentaneamente,

Provocadas pela dor

                      pelo medo

                      pela frustração

E na altura ficamos cegos  

                                                 da razão

Porque é demasiado grande

                                                 a emoção

“O essencial é invisível aos olhos,

só se vê bem

                                                com o coração”.

Meu amor,

Peço-te perdão!



Às vezes preciso de te dizer  

              o que não está certo

Só para que me possas dizer  

                    que estou errada.


                                                              ­              Faz sentido?

                                                           Aqui vem de novo a tal emoção…

Às vezes preciso muito de estar errada

Sobre o que me mortifica os pensamentos

                                           ou os sentimentos…

                                                   E estou.  

                                                Sou ilógica  

                                                 Em ruínas

                                                 Arruinada.

Que alívio!

Ainda bem que me provas que estou errada.

Se não for pedir demais,

Podes provar-me uma outra vez?

Nunca precisei tanto de estar enganada…



Ah!  

A minha flor…

Nasceu tão complexa.

Tão complicada  

                            quanto eu.



Ainda lhe estava a aparecer o caule

E o meu ser já estava rendido

Desde a sua raiz.



Foi assim que Deus quis!



Criou em sete dias

o desafio perfeito,  

Para quem gosta  

de se desafiar.

                                                               ­  Vou levar a vida toda

                                                               ­  E talvez mais algumas

                                                               ­      Para a desvendar.

                                                               ­     (Se ela me deixar...)

A maneira como diz o meu nome,

A maneira como brinca com ele

Faz-me sentir que está seguro  

Dentro da sua boca.

Só ela o sabe pronunciar!



Foi feito para os seus lábios.

E os seus lábios

   Perfeitos

Parece que foram feitos

especialmente

Para o guardar.

                                                             Fecham-no a sete chaves

                                                         Mais ninguém lhe pode tocar.



“E agora,  

               Já viste?

             Este nome  

  Parece sempre mais triste  

Se não estiver a ser dito por ti.”

                                                           “Bendito seja o fruto que colhi!

                                                         Que me seja permitido saborear…”



Diz-me, como se desliga esta urgência?

                                                               ­                     Meu Deus,

                                                               ­                       Diz-me

                                                               ­                     Por favor!

                                                               ­       É esta a minha penitência?

Basta um vislumbre da sua imagem

Uma brisa que traga o seu cheiro no ar

E já sinto o meu corpo  

a querer-se desintegrar



                                                           Em infinitas partículas  

                                                   ­        Que ameaçam explodir

                                                               Para onde calhar.

Até que

finalmente  

                                        a ela  

vão chegar…



Ergo as mãos ao céu,  

Sinto a pairar uma violenta vibração…

                                                  “Meu Deus,

                                                    Como é que te rezo tanto

                                                    E parece ser em vão?”



                                                    Caiem-me as lágrimas no chão.

                                                    Aqui vem de novo a tal emoção…

                                                    Chego perto de perder a fé,

                                                               ­                              a mim  

                                                          ­                             a ti  

                                                           ­                                   e até

                                                               ­                        a nós.



                                     “Que penitência tão cruel!”

                                                   Vê-se logo que é um amor verdadeiro

                                          é autêntico

                                          é genuíno

                                            é derradeiro.

                                                              S­ó um assim te mantém tão fiel

                                                              S­em teres de o questionar.


                                “Dai-me forças para a aguentar!”.


Não sei se me ouviu

Quando lhe estava a implorar;           Ou se não se quis pronunciar.

Porém, num sonho distante

Escutei-o a profetizar:

         “A força vem de ti,

          Minha criança iluminada,

          Não te vale de muito rezar.


                                                            És­ tu que tens de te amparar.

          És fonte inesgotável

          Que não pára de derramar.

                                                            ***­im te fiz, porque assim o quis!

           Mal (re)nasceste dei-te logo tudo

           o que poderias vir a precisar.

           Faz bom uso

           de todo o amor  

           que tens para dar.”



Seu cobarde!

Sinto-me honrada!

Fizeste-me humana  

                    iluminada

de mente aberta

e consciência pesada.

Num mundo fraturado

                        partido

                        obscuro

                        sombrio

onde me vieste abandonar.

              
                                E nem um manual deixaste

                                        Para eu me guiar!



                        Não te inquietes, continuo a acreditar.



         MAS CONFESSA TU AGORA! arrependeste-te de mim;  

                                  ou do mundo que foste gerar?

      

Desce cá baixo!

Atreve-te!

Anda cá explicar

Como acalmo esta vontade

de a querer abraçar

e apertar

Junto de mim?



                        Porque é que nos juntaste?  

                        Só para logo a seguir nos pôr um fim?

                        Responde-me, cobarde,

                        Porque é que tem que ser assim?


Nunca conheci Deus tão impiedoso.

Renuncia o seu rebento,

Vê-o em tanto sofrimento

e mantém-se silencioso.





Quero saltar  

Para dentro da redoma

Com ela.

Meu Deus,

Quero-te provar

que consigo desempenhar

a missão para a qual nasci.

Quero amar!

Conhecer todos os seus traços,

Saber pintar as suas cores  

Até de olhos vendados,

Sentir todos os odores

espalhados

Como se valesse por mil flores,

Descobrir por onde se estendem

Os seus braços,

Conseguir desenhar a sua forma

Que vem pela noite e me toma

E guardá-la

Para sempre.

Pedir-lhe que me abrace de volta

E que mantenha os meus pedaços

Juntos

             a si.  

Certificar-me

Que deixo as suas lindas pétalas

                                                   e a teia que teci

Intactas

No processo.





“És muito mais do que mereço!”

                                                             E assim começa a Bíblia:

                                                             “No princípio  

                                                    ­         Deus criou os céus e a terra (…)”



Pois logo no começo

Também nos deve ter criado.



Criou um amor

Que não tem preço

Do qual nem se aplica ainda

um significado.



E por isso e muito mais,  

Meu Deus,

Eu te agradeço!

Por toda a força que me tem dado.

Nas noites frias e escuras

É a ele que me agarro.


                                             Vieste-me presentear?



Não procurei a minha flor

Ela simplesmente  

                                  floriu

No meu jardim

E decidiu

Lá ficar.



                                  É teimosa, esta flor.

                                Quis-se auto plantar.

                                                               ­                 Ou talvez ali

                                                               ­            Se sentisse segura

                                                               ­             Estava escondida  

                                                    ­                              protegida

                                                               ­              E tinha alguém

                                                               ­               Para a cuidar.



                                                               ­         Luz nunca lhe ia faltar!





Não sei se era eu que precisava mais dela

Ou se era ela que precisava mais de mim.

Mas para ir procurar outra flor

Teria de me afastar deste jardim…

E abandonar a minha flor

Seria como me abandonar a mim.



Não há mais flores para procurar!

Porque aquela que eu nem sabia

Que existia

Mas com que sempre sonhei

Ah! Essa mesma flor!

Já eu encontrei.



                                                               ­        “Meu Deus,

                                                            Jun­tas-te a todos os outros

                                                             E juntos fizeram feitiçaria.

                                                               Ouviram-me, de certeza.

                                                               ­    O que eu vos rezei!

                                                          A minha prece foi respondida!

                                                           Fizeram-na mesmo à medida!



                                                               ­        Fui absolvida!



                                                          Assim­ foi desde o princípio

                                                    tal como tinhas dito

                                                               ­                               nos céus  

                                                         ­                                      na terra  

                                                        ­                                      nos mares

                                                               ­                                procurei.

                                                     soube logo que era ela

                                                     quando nela me esbarrei



                                                            por­que mal a encontrei



                              me multipliquei.”
Mariana Seabra Mar 2022
Ó astro luminoso,

Que me guias aí do céu,

Imploro-te que grites cá para baixo

O sítio onde posso eu encontrar

O que de mim já se perdeu.



Mandas vento,

Mandas chuva,

Mandas raios

Na trovoada…

Mandas sol,

Mandas nuvens,

Mandas pássaros

Na alvorada…







Só não mandas o que me resta

Desta pobre alma destroçada.





Ó astro luminoso,

Quão perdida estou eu na Terra?

Ouço os teus gritos de desespero

Por este soldado mutilado

Que nem chegou a ir à guerra.

Sentiu o vento,

Sentiu a chuva,

Viu a luz

Pela fachada.

Sentiu quente,

Sentiu frio,

Viu o escuro

Que não acaba.





Só não viu nas entrelinhas

Que era a morte quem o chamava.

— The End —