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Fogo e Saudade


O céu arde em brasas sobre o rio,
como se o sol cantasse ao desafio,
mas o Douro guarda segredos antigos
que só a noite revela aos meus amigos.

Pai António, firme como as encostas,
no olhar, o peso que trazias às costas,
perdido no tempo do desalento,
meu Douro, meu muro de sofrimento.

Maria, mãe, no silêncio da cozinha,
cheiro a pão e mosto e  a labuta que se avizinha,
olhos que choram sem pedir nada,
videira da vida, da família sagrada.

Suor na vindima, rosto cansado,
mistura-se à terra, ao pó, ao fado,
e nas pipas dorme um tempo nunca criado  
que afasta a solidão do passado.

Avós  fantasmas doces e fiéis,
Escondidos entre tonéis,
sussurram histórias de fé e cansaço,
feito de uvas e do seu abraço.

No rio, o reflexo é pura ilusão,
procuro rostos que já  cá não estão,
mas encontro sempre o mesmo brilho guardado
de um amor eterno, ousado.

Douro é saudade que o mundo reclama,
é fogo na alma, é lágrima e pão,
é força que prende e vento que chama,
meu destino, minha salvação.
Douro  amor eterno  antepassados
Mãe Duriense


Na tua face, vinhas traçadas do tempo,
nos olhos, o rio inteiro a correr.
Mãe Duriense, barro e lamento,
és raiz da qual tive de nascer.

Com mãos de granito e sol cheio de mosto,
lavras o pão, regas a horta com gosto.
Entre socalcos, és flor que não cansa,
és Mãe da terra, és força, esperança.

Carregas a dor mas nunca o dizes.
És chão fecundo, com boas raízes.
Dizes que o Douro não para de chorar
pelos filhos que tens de amamentar.

Mãe Duriense, a tua verdade me guia.
Em ti vejo a minha tristeza e a tua alegria
das que ficaram quando tudo fugia,
das que semearam fé  e a minha poesia.

És dura como a pedra xistosa,
doce como a uva, bela como a rosa.
És mulher, és monte, és vinho, és perdão,
és o Douro inteiro  em peregrinação.



Victor Marques
Mãe  Douro  Terra Trabalho, filhos
Salvem  O Douro

Nas fragas onde o sol esbate sorrateiro,
a vinha no Douro sempre banhada primeiro.
Os velhos ficam
porque já não podem partir.
As mães reformadas
cuidam das vinhas com amor e sentir.

E o Douro, esse colosso de xisto e sonho,
fica para trás abandonado,
sem herdeiros, sem futuro,  com passado. A coruja-das-torres, que vigia os socalcos mal amados.
A borboleta rara, que pousa nas folhas do Viosinho para termos bons vinhos,
A lavanda brava, que perfuma os nossos caminhos.
Salvem o Douro para remissão dos vossos pecados.

Ai  o rio, que ainda canta, mesmo quando ninguém o ouve  está sozinho.
Canta suavemente o pintassilgo nobre passarinho.
O saber antigo, que não cabe em manuais escritos,
As cantigas de encosta, que nossas mães cantam com penosos gritos.

Salvem o Douro com encanto e nobreza,
Este meu Douro é verso, certeza,
Não deixem meu Douro desaparecer,
Nem ser fúnebre velório ao Entardecer.

Victor Marques
Douro,  paisagem,  memória   vinho
Douro terra onde tudo vive


No poente alaranjado
arde o céu sobre as vinhas
e as cigarras parecem minhas,
Neste meu Douro dourado.

Formigas cruzam caminhos de pedra xistosa,
carregando alegria da bela mimosa.
Abelhas embriagam-se no néctar adocicado
das flores que o vento esqueceu.
Borboletas cartas aladas dos deuses
pousam breves nos versos meus.
sobre a pele quente da colheita.

Oliveiras que enfeitam as encostas
guardam segredos de enxadas às costas.
raízes que se entrelaçam
com ossos de meus antepassados
Douro dos serões embriagados.

Cada videira com
Seu  tronco retorcido,
é oração sem palavras,
escavada pela fé de quem aqui tenha nascido.
Homens de valor com paixão  por
mulheres de lenço de eterno pranto
no silêncio da paisagem encontro Douro e meu lamento.


O rio,
essa serpente de prata e memória,
leva nas suas águas
o reflexo do céu e da aurora
É nascente e poente,
vida que vai e regressa
no ciclo eterno de todo o sempre.

E quando o sol mergulha
no ventre da desta santa Terra.
Ela  canta baixinho
uma canção no cume da serra.


O Douro é mais do que lugar.
É pulso.
É respiração da terra.
É a poesia que ainda não foi escrita,
mas que já vive
em cada uva, em cada impulso.
Em cada abraço apertado que dou à minha gente,
em cada olhar que ama
sem saber porquê
apenas porque sente.


Victor Marques
Paixão e Aliança


Amar o Senhor é paixão viva,
é o princípio de toda sabedoria.
Quem O escuta com alma cativa
torna-se mais sábio com ousadia.

Na encosta áspera das vinhas,
onde a enxada rasga o chão,
e a cepa torta nas entrelinhas
Deus ali nos mostra a compaixão.

Cada videira um verso do Criador,
cada bago um milagre de amor.
E do lagar, onde o sangue da uva escorre,
nasce o vinho da memória que não morre.

Diz a Escritura, com firme clareza:
“Eu sou a videira, a vossa firmeza;
vós sois os ramos, minha sementeira.
Que Deus ama de qualquer maneira.

Na mesa da Santa Eucaristia,
o vinho sagrado é pura harmonia:
sangue do Cordeiro, amor derramado,
Entre nós Deus  eternamente partilhado.
Deus Vinho Comunhão,  amor
A Terra Sabe Quem a Ama



A terra não esquece quem a toca
com mãos sujas de sol e esperança.
Ela guarda no silêncio da rocha
a pureza  duma criança.

Há nos olhos do duriense calado,
um brilho nos  dias de chuva .
É a luz de quem foi sempre chamado
a amar a terra da maltratada uva.

As vinhas conhecem-lhe o passo,
os muros o som da sua lida,
o suor que cai e grava no espaço
um poema de coragem e vida.

Jesus Cristo caminha entre a videira,
com cálice de bênção na mão.
Ali, onde a terra é verdadeira,
abençoa o Douro nossa paixão.

São Martinho, de capa ondulante,
prova o primeiro mosto com respeito.
Santiago passa como viajante,
e pinta o bago com fervor e prece no peito.

E entre os bardos, em leve cantoria,
voam passarinhos de céu aberto.
São Francisco fala-lhes com alegria
de um Douro sagrado, puro e certo.


Victor Marques
Douro Jesus Cristo  vinho
O Barão do Douro

James Forrester, o Barão do Douro,

Veio do Norte como quem atende um chamado,
Nos vinhedos mergulhou sem farda ou ornamento,
Chamaram-lhe Barão, mas foi raiz e vizinho,
Irmão do xisto, guardião do vinho.

Veio sem espada, mas trouxe o olhar
De quem mapeia montanhas para libertar.
Riscou o Douro em linhas de coragem,
Com tinta de alma desenhou a paisagem.

Queria o vinho livre, inteiro, verdadeiro,
Sem o peso sujo do lucro estrangeiro.
Gritou contra o jogo que rouba e disfarça,
Elevou o Douro em copo e em taça.

Desceu no barco com sede de justiça,
Nas águas levou o sonho à superfície.
Mas o rio, ciumento, puxou-o ao fundo,
E o imortaliza no Douro e no mundo.

Mas não, Barão, não foste calado:
Nos socalcos ecoa teu passo marcado.
Nas pedras ainda arde a tua chama,
O Douro não esquece quem o ama.

Em cada garrafa dorme a tua memória,
Em cada rolha um sopro da tua história.
No murmúrio das folhas, no céu da vindima,
Vive o Barão, eterno, com a sua sina..
James Forrester  Barão Douro
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