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Rui Serra Jan 2014
E estas palavras que escorrem na vidraça ensanguentada,
numa tarde em que a chuva cai tumultuosa.
E estas palavras que escorrem junto com estas lágrimas,
p’la face carregadas de um sentimento obscuro.
E estas palavras que escorrem com o suor do nosso corpo,
numa noite em que corpos ardem de paixão.
E estas palavras que escorrem com o orvalho,
num amanhecer em que o sol raia esplendoroso.
E estas palavras que escorrem junto com o sangue,
que corre nas nossas veias, numa violência interior.
E estas palavras que escorrem com a tinta do pintor,
pela tela que brota das suas mãos diabólicas.
E estas palavras que escorrem nas ondas,
que embatem violentamente nas rochas das praias.
E estas palavras que escorrem como o álcool,
e que inunda a alma pejada de medo e tristeza.
E estas palavras que cheiram a ****,
e que o tempo impregnou nas páginas da vida.
. . .
São palavras que profiro em silêncio,
são palavras em que eu te imploro,
para que pares essa tua raiva mórbida e doentia
que te leva à demente violência e me deteriora.
Vede o que fazem à minha amada Nação:
Entregue, sem pejo, à ganância vil da burguesia,
Que rouba ao povo o sonho e a ambição,
Mergulhando-o num eterno mar de apatia e agonia.

E eis que uma ***** disforme se levanta,
Dos jardins sombrios da dor e da servidão,
Onde o corpo se dobra e a mente se espanta,
Na esperança febril de uma nova revolução.

Os bons de que falava Camões,
Esses padecem de uma dor implacável,
Humilhados, esmagados pelos patrões —
O quinhão é escasso, o operário descartável.

Neste povo ardem infinitas paixões,
Calejadas por um labor quase servil e inexplicável.
E tu, quem és para ditar-me sermões,
Tu, que apagaste um fulgor outrora inabalável?

Quando a tua hora chegar — e há de chegar —,
Verás tombar os lacaios, os servos e os escravos,
E das cinzas um novo Portugal há de brotar,
Pois não há grilhões que vençam o fogo dos bravos.

De pança cheia e a boca metida no polegar,
Fitam, com desdém, este povo em farrapos,
Os vilões da História, prontos a tragar,
O sangue que rega o vermelho destes cravos.

Que lá do alto ressoe, por fim, o clamor da nossa união,
No eco altivo do trabalho que ergue a esperança,
E finde-se a eterna sombra da opressão,
Pois só do amor e da garra germina a mudança.

E, prostrado, fatigado, mas de punho erguido e cerrado,
Grito, em brado inflamado: — Viva a Revolução!

— The End —