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Mariana Seabra Mar 2022
E tu, ansiosa por te afogar,

Foste apanhada na corrente

Deste teu precioso mar.


À superfície da água salgada,

Onde te deixavas flutuar,

Saíram das mais ínfimas profundezas

Mil duzentos e sete braços

Ansiosos por te abraçar.



Envoltos num corpo inanimado,

Não o deixaram recuar.

Nunca mais deu à costa,

Nem soube o que era respirar.

Pois peso morto sempre naufraga

E não há volta a dar.



Mas há coisas que não têm peso

E são mais difíceis de afundar...

Descem, e logo voltam à tona  

Como se estivessem a ressuscitar.



Dizem que a mulher que lá entrou,

Naquele tenebroso mar,

Entrou criança  

E foi feita sereia.



Não sei o que lhes deu essa ideia,

Talvez estejam obcecados com a mudança.

Talvez pela forma como o seu corpo balança

Por entre as ondas da maré cheia.


Quem espera sempre alcança...


Numa noite escura,  

num silêncio de levar à loucura,

Num céu envolto em trevas

onde nem espreitava o luar...

Avistaram uma sereia em pleno alto mar.



Dizem que o seu canto,

Simultaneamente belo e perigoso,

Fazia qualquer homem desesperar.

Como sou mulher, cética e descrente,

Com olhar atento mas duvidoso,

Nunca cheguei a acreditar.  



Iludidos!

Aqui está mais uma prova,

Os homens são muito fáceis de enganar.

Nem se aperceberam que eram gritos  

Aquilo que se espalhava pelo ar,

Os seus e o dela.

O som do massacre com que ela os iria brindar.



A única diferença é que os gritos da sereia

Eram de puro prazer,

E os gritos dos homens

Eram de puro sofrer.



A única diferença é que ela ia sobreviver,

Para ver outro dia nascer,  

Para ter mais uma história que escrever.



Iludidos!  

Não podem ver uma mulher que já não sabem pensar.

E ela, inteligente, usa esse instinto contra eles,  

para os convencer a mergulhar.



Assim, num mar de tinta vermelha

Habituara-se a sereia a nadar.

A cada morte ria mais alto,

“Tanta ignorância ali jaz a boiar”,

E ria, como se os seus pulmões fossem estourar,

Com uma ingenuidade encantadora  

De quem não sabe que está a pecar.



Dançava, louca e despreocupada,

Por entre centenas de corpos desfeitos

Que corriam na sua água, doce e salgada,

Livre de amarras e preconceitos.



Dizem que em noites de tempestade,

Por entre o caos da trovoada,

Ecoam os gritos de uma sereia

Juntamente com a sua doce risada.



“Não há homem neste mundo

Capaz de me tocar

Sem eu o petrificar.

Ainda bem que os braços

Que me envolveram,

No fim de tudo,

Foram os de uma deusa

Chamada Mar”.
Caos, caos, caos
Perceptível apenas em estado de desarranjo
Irrompe de surpresa mas insidioso e em crescendo

Agente provocador projetando calmaria
Verdadeira ou fictícia?
Pode um provocador ser inerte?

Et tu, agente, não estás numa caixa
Projeto eu do alto da moralidade
Verdadeira ou fictícia?

Estratifica-me como quiseres
Não caibo na régua que usaste
Coincido nos centímetros mas não conheces os nanómetros

Pudesse eu conhecer os teus, até ao mais misterioso átomo
E suspeito que o caos perduraria num constante questionar

Resta-me admitir que a questão me fascina
E que o efeito secundário caótico e desregulador é estimulante
Assustador, perigoso e energizante

Abala-me, outra vez
Sempre me perco, sempre me encontro

— The End —