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Mariana Seabra Mar 2022
A cigana que me leu a sina,
Mudou imediatamente de profissão.
Viu espelhado nos meus olhos negros
Uma íris cristalina
Repleta de horrores e de paixão.
Tocou-me na mão e quis-me ler
Mas todo o seu corpo estremeceu…
Pobre coitada,
Chorou como se fosse eu,
Nunca havia visto tamanha solidão,
E rezou enquanto implorava ao céu
Que para mim houvesse ainda salvação.



Olhei-a e logo vi
Que não havia por onde escapar.
Sorri para ela e repeti
Que me deixasse só sonhar.
Caiu de joelhos logo ali
Como se a morte estivesse para a vir buscar.
Disse-lhe que não há sepultura ou caixão aqui
Que sejam fundos o suficiente
Para com o meu espírito aguentar.



Limpou as lágrimas e fixou-me,
Com tanta pena e ternura a transbordar.
Disse-me isto a correr,
Antes que eu pudesse sequer hesitar:
Pobre criança ingénua,
A morte não dói a ninguém,
O que dói é ter de cá ficar.
Não há chuva nem há névoa
Que te proteja desse inferno
Que carregas no olhar.
Nunca pára de chover
E o frio corta a esperança que o vento traz.
É um mundo cruel para se viver
E então que seja assim,
Que a última viagem te traga paz.



Enterrou-se no meu corpo,
Como qualquer ser já muito cansado.
Sussurrou-me em agonia
Palavras cor de vinho derramado.
Entendeu que nenhum génio artístico
Se pode deixar ser domado.
E se não nos virmos mais nesta vida
Espero por ti eternamente
Do outro lado.



Será loucura ou consciência?
Não são assim tão distintas.
Confesso-lhe sem muita prudência:
A morte não me assusta,
A vida aterroriza-me.
Mas o que me consome e deixa aflita,
É que seja em qualquer idade,
Valorizo sempre mais a escrita
Do que a minha sanidade.
Mistico Mar 14
Culpavas-me por uma energia invisível,
como se fosse eu a corrente a te prender,
quando, na verdade, eram teus olhos fechados
que te impediam de ver.

Gritei verdades em silêncio,
estendi minhas mãos ao vento,
mas foste surda ao meu chamado,
e, sem hesitar, me lançaste ao esquecimento.

Fui o grudento, o exagero, o erro.
E, ironia do tempo, agora retornas,
quatro estações depois,
com promessas de amor tardias.

Mas já não sou mais quem espera,
não sou refúgio para quem desperdiça,
quero a brisa de um amor sincero,
não o peso de quem só volta
quando já perdeu tudo o que tinha.

Grato pelo passado,
mas meu presente é outro.
E meu futuro, ah…
esse já não te pertence mais.
Mistico Mar 23
A oportunidade é brisa sutil,
Que passa ligeira, sem repetir,
Se não a seguras com gesto gentil,
Como saber se irias sorrir?

O medo esconde o que o tempo revela,
Um passo hesitante, um sonho a ruir,
Aquela alma que te espera e zela,
Pode ser quem te fará florir.

Mas a cada dia, distante ela vai,
Como estrela que some no imenso céu,
E quando percebe, já não há mais,
Outro olhar tomou-lhe o véu.

O destino não dá segundas certezas,
Ele segue em frente, sem hesitar,
Se não valorizas o que a vida te entrega,
Outros braços irão lhe guardar.
Mistico Mar 2
No fim, não é o silêncio que fere,
nem a frieza dos que passam sem olhar.
Não é o esquecimento dos instantes marcantes,
mas a constatação de quem, de fato, permanece.

Os que verdadeiramente importam
carregam tua essência na memória,
e, nos dias em que o tempo te celebra,
serão eles a iluminar tua existência.

Já aqueles que um dia pareciam próximos,
mas que hoje te ignoram sem hesitar,
são meros ecos do passado,
sombras que não merecem tua luz.

Apegar-se ao que não tem valor
é a forma mais sutil de se perder.
Curioso é perceber que aqueles desprezados
acabam encontrando morada em teu coração,
enquanto os que estimavas se dissipam como névoa.

A dor do desprezo ensina,
mas não deve prender-te ao chão.
A liberdade está em reconhecer
que algumas ausências são bênçãos disfarçadas.

E os que ferem, um dia perceberão:
o mundo devolve cada cicatriz imposta,
e o ciclo da dor que semearam
se tornará sua mais amarga lição.

— The End —