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No rosto leproso da noite, ventos giram cartas como quem não quer nada/ Ou talvez vultos guardam melancolia no quarto branco/ Oh! tão bom beber hálito gelado da lua junto aos antepassados, lá se vão fugidios das estrelas; sete são. Os mais jovens, no rio, colhem cristais & dançam ( ritual veludo puro, sombra azul circula)/ Rápido, múltiplas festas ecoam do infinito, este cínico pastor poda asas feridas; mãos sagradas dos mortos & dos mitos/ Bebemos & cantamos, no colo floresta desnuda/ Neste banquete vermelho, virgens dão o toque úmido & todos os santos saboreiam o útero/ Sob o aconchego do delírio a loucura desfila, santa de todos os dias!
Rui Serra Jul 2014
Por entre a brisa, de uma manhã húmida, vozes de desespero ecoam nos céus da esperança, ao raiar um novo dia. Cisnes brancos banham-se nas lágrimas vertidas pelo homem, em prol da sua felicidade. O vento sopra, por entre gotas de água, e as sublimes árvores deixam andar ao sabor do vento suas copas.
Mariana Seabra Mar 2022
E tu, ansiosa por te afogar,

Foste apanhada na corrente

Deste teu precioso mar.


À superfície da água salgada,

Onde te deixavas flutuar,

Saíram das mais ínfimas profundezas

Mil duzentos e sete braços

Ansiosos por te abraçar.



Envoltos num corpo inanimado,

Não o deixaram recuar.

Nunca mais deu à costa,

Nem soube o que era respirar.

Pois peso morto sempre naufraga

E não há volta a dar.



Mas há coisas que não têm peso

E são mais difíceis de afundar...

Descem, e logo voltam à tona  

Como se estivessem a ressuscitar.



Dizem que a mulher que lá entrou,

Naquele tenebroso mar,

Entrou criança  

E foi feita sereia.



Não sei o que lhes deu essa ideia,

Talvez estejam obcecados com a mudança.

Talvez pela forma como o seu corpo balança

Por entre as ondas da maré cheia.


Quem espera sempre alcança...


Numa noite escura,  

num silêncio de levar à loucura,

Num céu envolto em trevas

onde nem espreitava o luar...

Avistaram uma sereia em pleno alto mar.



Dizem que o seu canto,

Simultaneamente belo e perigoso,

Fazia qualquer homem desesperar.

Como sou mulher, cética e descrente,

Com olhar atento mas duvidoso,

Nunca cheguei a acreditar.  



Iludidos!

Aqui está mais uma prova,

Os homens são muito fáceis de enganar.

Nem se aperceberam que eram gritos  

Aquilo que se espalhava pelo ar,

Os seus e o dela.

O som do massacre com que ela os iria brindar.



A única diferença é que os gritos da sereia

Eram de puro prazer,

E os gritos dos homens

Eram de puro sofrer.



A única diferença é que ela ia sobreviver,

Para ver outro dia nascer,  

Para ter mais uma história que escrever.



Iludidos!  

Não podem ver uma mulher que já não sabem pensar.

E ela, inteligente, usa esse instinto contra eles,  

para os convencer a mergulhar.



Assim, num mar de tinta vermelha

Habituara-se a sereia a nadar.

A cada morte ria mais alto,

“Tanta ignorância ali jaz a boiar”,

E ria, como se os seus pulmões fossem estourar,

Com uma ingenuidade encantadora  

De quem não sabe que está a pecar.



Dançava, louca e despreocupada,

Por entre centenas de corpos desfeitos

Que corriam na sua água, doce e salgada,

Livre de amarras e preconceitos.



Dizem que em noites de tempestade,

Por entre o caos da trovoada,

Ecoam os gritos de uma sereia

Juntamente com a sua doce risada.



“Não há homem neste mundo

Capaz de me tocar

Sem eu o petrificar.

Ainda bem que os braços

Que me envolveram,

No fim de tudo,

Foram os de uma deusa

Chamada Mar”.
Mariana Seabra Mar 2022
Foi cedo na vida que o meu livro de mágoas se abriu.

                (Entendi-o desde nova pois senti-o.)

Um livro manchado pelo sangue da batalha,

Páginas carregadas de calafrios…

Ainda hoje me correm e ecoam no corpo.  

                 (O som do ferro ainda me causa insónias.)





E o abandono…

Esse sempre o meu maior medo,

Cortou-me como uma espada a vida toda.

             (Nunca o gritei…pelo menos em voz alta.)

Ferida, pelas entrelinhas o fui escrevendo.

             (Nunca com tinta…sempre mascarado na dor das palavras.)

Marcado em mim desde o início.

             (Nunca na pele…sempre uma ferida interna bem escondida
               na alma.)




A Morte…

Essa parece chegar rapidamente

Para as almas incompreendidas.

             (Mas calma, eu entendi.)

Choraste sem saber porquê…

Passaste e ninguém te viu…

Mas agora renasces com uma visão que eu sonhei.

E eu, que nunca te encontrei,

Vi-te encarnada em mim.



Quem me dera que tivesses vivido tempo suficiente, Florbela.

Só para que eu te tivesse desvendado o segredo da vida.



              (Neste mundo não eras a única que andava perdida.)

                           (O segredo é que andamos todos.)
Para uma das minhas poetisas preferidas, Florbela Espanca.
Mistico Mar 2
O fim talvez não seja o fim,
mas apenas um instante onde tudo desaba,
onde os pés tocam o fundo do abismo
e, ao olhar ao redor, percebes: ainda há caminho.

Olhas para trás e corres,
não para reviver, mas para rasgar páginas,
para incendiar memórias,
como se o fogo pudesse consumir a dor.

Nós, que pensamos demais,
nos agarramos ao que foi belo,
mas lutamos para esquecer o que fere,
ainda que o passado insista em nos rodear,
sussurrando lembranças que não pedimos para ouvir.

Será, então, que uma nova vida nos faz esquecer,
ou apenas nos ensina a conviver com o que fomos?
As palavras ecoam em nossos pensamentos,
lutamos contra nós mesmos em silêncio,
tentamos preencher o vazio com alguém,
como se um novo rosto pudesse apagar as cicatrizes de um antigo.

Mas há um dia – distante, mas certo –
em que tudo o que um dia nos pesou
se desfaz como poeira ao vento,
e o que antes nos consumia, torna-se nada.
Nenhuma mágoa, nenhum apego, nenhum nome.
A dor se reformata, a memória se apaga,
e enfim, a alma descansa.

O poço nunca terá fim,
mas dentro dele há uma escada invisível,
que surge quando menos esperamos.
Não há pressa, não há fuga,
porque até o sofrimento é passageiro,
e a vida, por si só, nos ensina a subir.
Há uma evolução emocional ao longo dos versos, indo da dor profunda até a libertação.
Mistico Mar 4
Preciso de um refúgio, um santuário etéreo,
um espaço onde o vazio se estenda sem limites,
onde minhas mágoas se afoguem, dissolvendo-se no tempo,
e, ao emergir, fiquem à deriva, sem âncora para retornar.

Não apenas as tristezas desejo abandonar,
mas também os pesares que ecoam na mente,
os tormentos insondáveis, os pensamentos errantes,
toda sombra que, impiedosa, se aninha em meu ser.

Almejo um refúgio, um bálsamo sem toque,
onde minha própria consciência me embale,
pois já não espero gestos nem promessas,
talvez nem mesmo de mim próprio.

Um refúgio onde, após a água fria em dias abrasadores,
eu possa fechar os olhos sem temor,
e, na vastidão do pensamento, encontrar descanso,
certo de que, ao despertar, serei renovado.

Preciso de um mergulho profundo,
tão intenso que, ao emergir,
seja eu outro, despido do peso do passado,
meus fardos escoando pelo ralo do esquecimento.

Que até minha essência resplandeça,
e a escuridão oculta, há tanto arraigada,
seja iluminada por quem deseje permanecer,
pois tal redenção não se dá por acaso,
mas pelo encontro de almas que veem além.

Tão restaurador será esse refúgio,
que nele reencontrarei o que há muito se perdeu:
a centelha que, adormecida,
aguarda apenas um sopro para arder outra vez.
Mistico Mar 4
Nos abismos da mente, onde não há início nem fim,
existe uma porta oculta, frágil e silenciosa.
Ela se abre nas decepções e se esconde nas alegrias,
e, em certos dias, nem sei se ainda está lá.

Qual é o verdadeiro fundo dos pensamentos?
Quão profundo se pode mergulhar
antes que a própria consciência se torne um labirinto?
Será que já cheguei ao limite do que posso suportar,
onde as palavras se chocam e as dores se escondem,
presas em gavetas que nunca quero abrir?

Talvez, nas sombras dos pensamentos,
repousem memórias que eu preferia esquecer,
ou um vazio sem nome,
um cemitério de sentimentos
que ainda ecoam dentro de mim.

Mas hoje, recuso-me a afundar nesses destroços,
prefiro escrever palavras bonitas,
pintar poesias que me representem
em vez de gritar dores que não desejo reviver.

Falar? Para quê?
Se minha voz já se perdeu no tempo.
Prefiro o silêncio da observação,
o encanto do que é admirável,
e o alívio de traduzir em versos
aquilo que nunca conseguiria dizer.

— The End —