Barco Rabelo à Deriva
Um barco rabelo à deriva,
sem rosto, sem leme, sem voz.
Carrega no ventre o silêncio dos homens
que foram pais e avós.
Foi rio acima com sonhos de vinho,
volta vazio, ausente,
como se o Douro chorasse sozinho
hoje, amanhã e sempre.
No espelho do Douro, sem norte nem cais,
leva no casco feridas antigas
e no silêncio, vozes
que não voltam mais.
Não tem vela, não tem rumo,
não carrega mais o vinho dos deuses,
mas ainda flutua,
feito fantasma de um tempo
que tudo leva com o vento.
Era nele que os homens desciam o rio,
com o coração nas ondas e, por vezes, frio,
o suor preso às amarras da encosta…
Vinham da montanha com o amor
de quem do rio sempre gosta.
Agora, o barco vai só,
como uma rena sem trenó,
vendido em copos que não sabem a chão,
nem sentem compaixão .
Como os velhos que ficaram nas aldeias
a ouvir o uivar das alcateias.
Ninguém ouve esse barco rabelo a deslizar,
ninguém lhe pergunta onde vai parar.
Foi nas suas tábuas cheias de podridão,
foi na sua sombra que se rezou pelo pão,
foi com ele que se ensinaram os filhos
a amar sem explicação.
Mesmo sem leme,
carrega a alma duriense,
que ama e sente...
Carrega promessas por cumprir,
carrega o abraço do pesar e do sentir
e, sem rumo, vai prossegui
Barco Rabelo amor Douro