A cigana que me leu a sina, Mudou imediatamente de profissão. Viu espelhado nos meus olhos negros Uma íris cristalina Repleta de horrores e de paixão. Tocou-me na mão e quis-me ler Mas todo o seu corpo estremeceu… Pobre coitada, Chorou como se fosse eu, Nunca havia visto tamanha solidão, E rezou enquanto implorava ao céu Que para mim houvesse ainda salvação.
Olhei-a e logo vi Que não havia por onde escapar. Sorri para ela e repeti Que me deixasse só sonhar. Caiu de joelhos logo ali Como se a morte estivesse para a vir buscar. Disse-lhe que não há sepultura ou caixão aqui Que sejam fundos o suficiente Para com o meu espírito aguentar.
Limpou as lágrimas e fixou-me, Com tanta pena e ternura a transbordar. Disse-me isto a correr, Antes que eu pudesse sequer hesitar: Pobre criança ingénua, A morte não dói a ninguém, O que dói é ter de cá ficar. Não há chuva nem há névoa Que te proteja desse inferno Que carregas no olhar. Nunca pára de chover E o frio corta a esperança que o vento traz. É um mundo cruel para se viver E então que seja assim, Que a última viagem te traga paz.
Enterrou-se no meu corpo, Como qualquer ser já muito cansado. Sussurrou-me em agonia Palavras cor de vinho derramado. Entendeu que nenhum génio artístico Se pode deixar ser domado. E se não nos virmos mais nesta vida Espero por ti eternamente Do outro lado.
Será loucura ou consciência? Não são assim tão distintas. Confesso-lhe sem muita prudência: A morte não me assusta, A vida aterroriza-me. Mas o que me consome e deixa aflita, É que seja em qualquer idade, Valorizo sempre mais a escrita Do que a minha sanidade.