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Letícia Plaza Apr 2014
Vez ou outra sinto-me como uma nuvem:
Instável,
Em constante mutação.

Fruto da projeção alheia
Faço-me do que queres que eu seja.
O que queres que eu seja
Agora?

Nunca me satisfaço
Com o que sou agora.

No que me transmutarei
Agora?

E agora?
Victor Marques Aug 2010
Penso em ti

Noite mal dormida sem sono nem vontade,
Calor do teu beijo dá felicidade,
Açucena flor campestre florida,
Estrela do céu esquecida.


Tu tens magia sem censura,
Pinceladas nos teus olhos,
Boca sem sede com eterna brancura,
Candeia acesa na noite escura.


Pareces uma onda sem espuma,
Uma borboleta e até coisa alguma?
Um horizonte que não se abraça,
Uma nuvem que nunca passa.


Tu tens a melodia eterna,
Pureza de água cristalina,
A serenidade de uma donzela enfeitiçada,
Fazes parte de mim e da minha caminhada.

Victor Marques
O fulgor do ódio incauto, a devastação em chama ardente, faz cambalear o ser andante. Carrego o que fiz do destino como se embalasse um filho morto. Um aborto deformado e coberto por repugnância. Engendrado em ventre seco. Fruto interrompido de um estupro incestuoso. Esquartejado pelo bisturi de um hospital clandestino e imundo. Levo as partes dilaceradas deste feto hediondo à boca, devorando-as, freneticamente saboreio o sangue ainda morno e a carne mole desossada, elas descem entalando pela garganta, me engasgo, tropeço, vou de encontro ao chão, superfície áspera de concreto, me fere a face queimando minha pele, me observo nu enquanto vestido, vejo transeuntes vivendo suas vidas pacatas, com suas roupas da moda, seus farrapos, com seus carros de passeio, populares ou de luxo, com seus apartamentos, suas casas, sobrados ou mansões, os vejo em bares, em igrejas, no trabalho, alegres, tristes, esperançosos, desiludidos, preocupados, já não pertenço a este lugar.

Ando léguas sem freio em meus devaneios, meus pés estão em carne viva, os calos sangram, continuo a caminhar carregando um destino morto, estou sozinho em uma estrada deserta, me desfiz de tudo. Abandonei qualquer esperança, qualquer desejo, o impulso me movimenta.

A estrada de terra levanta ao longe uma nuvem de poeira, a nuvem é carregada pela ventania em minha direção, a poeira adentra aos meus olhos como vidro cortante, tento me proteger me encolhendo em posição fetal, está escuro, e mais, meus olhos não conseguem se abrir, a tempestade de poeira já passou, restando apenas uma bruma que permanece sem alvoroço, mas que se misturando com a noite transforma-se em uma parade opaca, intransponível, impossível de se enxergar através, algo parece se mover dentro dela, e trazer de volta a tempestade, está se aproximando de mim rapidamente.

Um ônibus velho e cheio de ferrugem pára ao meu lado, escuto o ranger metálico estridente das portas se abrindo, todos os meus pêlos se arrepiam, sou derrubado novamente à realidade, à estranheza deste evento inesperado, mais uma vez o impulso me guia, pela primeira vez desde aquele dia sinto medo, pânico. Qual ser atroz faria ali, no meio do nada, esta parada insidiosa? O interior do veículo está completamente coberto pela poeira e a escuridão.
Marco Raimondi Nov 2017
Na visão lúgubre dos trigais
Subiram pássaros negros aos milhares
Suspendendo voos frenéticos diante a tais
E ensurdecendo alvoreceres aos seus cantares

De tal assombro, vislumbrei jamais
Um abismo obscuro aos puros ares,
A desaguar despercebidas sombras imortais
Desprendendo as primaveris cores luminares

– Vertigem sóbria, encravo de delírio,
Este céu que se expõe é engano,
Cuja chama esplendorosa é terror tirano

Como condena-me surdo martírio!
Não são campos aprazíveis, é pavor inumano
É nuvem sem primor, é o amanhecer arcano
hi da s Jul 2019
como quando tigres enfeitam a maçaneta dos ventos
e cobrem o fio de náilon sobre a camada espessa da terra.

logo eu que pairo sobre as montanhas cobertas de neve de açúcar
chego cansada pelos montes de veludo e sopro todo ar que um dia foi de alguém.

escuto os sons que meu pai grita da garganta seca e consumida pela vida falha dos danos em nó.

sigo firme no divã que um dia foi de minha vó que morreu nos braços de deus enquanto vomitava em uma bacia de metal em formato de baço.

eis que um dia pensei: sou feliz e não sabia que era.

um dia quando tudo se cair pela metade na esquerda irei confusa dormir sob os véus dos espíritos que pairam na terra secreta e silenciosamente dominam a mente de pastores homens.

há de um dia ser tudo amor e mais vívido como quando quadros pintam a si mesmos na calada do dia em pleno raio de sol das três e quinze da tarde enquanto tomam café gelado sem leite.

minha mãe um dia travou em pé e encarou a guarda de um poderoso pai e padeci de medo mas superei a realidade que o mundo um dia me trouxe.

quisera eu dominar a xícara de licor sob os pés de caixas simbolizantes e soprar uma lágrima pelos ombros que um dia foram meus e de mais ninguém.

haja fé suficiente na vida dos que ainda não foram e procuram por paz no meio do caminho tortuoso de outra dimensão.

um dia uma nuvem vai cair do céu e parar sentada no meu colo; e quando a tesoura que usarei pra corta-la sair da gaveta, gritarei quatro vezes: esse mundo não é teu.
Mariana Seabra Mar 2022
Sou uma criança apaixonada!...

E tu bem sabes que sou uma criança apaixonada!...

Mas isolo-me, confortavelmente, na esfera do casulo.

Pronta a renascer,

Mas ainda enganada…



Sinto um amor!...

Que de tanto ser infantil,  

Chega a ser puro!



(E talvez o deixemos assim, meu amor.)



Talvez nos encontremos apenas no ar.

Como dois passarinhos feridos,

Ainda ingenuamente atrapalhados,

Pelas asas que os guiam.



Apenas cruzando estas simples energias,

Em cada nuvem batente daquele tal céu ardente.

E onde nelas escalarei…

Até ao cimo do teu próprio inferno.

Onde nele, ainda te manténs refém.



Amarte-ei pela literatura,

Como tu tão bem me sabes amar…



                                 (E quanto do nosso amor,  

                                 Será também feito poesia?)



Sou uma criança apaixonada!...

E tu bem sabes que sou uma criança apaixonada!...

E agora, pronta a renascer,

Bato, suavemente, as minhas asas…





Sinto um vento!...

Alegremente, espreito fora do casulo!...




E a brisa que corre e me leva,  

Carrega em cada batida,  

Só para mim,

A sustentável leveza do amor.



(E talvez o deixemos assim, meu amor.)



Talvez nos encontremos apenas no fogo.

Como duas belas fénixes,

Usando as suas próprias cinzas,

Para pintar a mais bela das telas.




Apenas cruzando os nossos caminhos,

Em cada folha queimada que paira

Sobre os nossos tristes olhares.

E onde nelas escalarei…

Até ao cimo do nosso paraíso distante,

Onde nele ainda me mantenho refém.



Amarte-ei pelo silêncio,

Como tu tão bem me sabes amar…



                                  (E quanto do nosso amor,

                                  Será também feito poesia?)



Sou uma criança apaixonada!...

E tu bem sabes que sou uma criança apaixonada!...

E aquelas frágeis asas que me bateram,

Criaram em mim uma bela metamorfose.

Onde na beleza do simples ser,

Encontramo-nos e fomos voando.  



                                 (E quanto do nosso amor,

                                 Será também feito poesia?)



                       (Cada bater de asas da borboleta o dirá…)
Eu sou uma nuvem
e eu também sou o sol

Eu sou a beleza da vida
sob a forma de uma mulher

Eu sou um pedacinho do planeta
–Outra filha da terra

Eu sou caracol
bactérias
infinitamente inseparável de nossa biografia existencial
–Pequena poeira eterna flutuando na atmosfera do tempo

Eu venho do que foi e será

— The End —