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Mistico Mar 4
Talvez não seja minha visão que se turva,
mas a sua, que não alcança o que há no fundo.
Você enxerga em mim o brilho, a bondade,
mas de que adianta ver luz onde só há sombras?

Sou um mosaico de gestos e sorrisos
cercado por pensamentos que gritam em silêncio.
A depressão é um sussurro constante,
um eco que se repete dentro de mim.

Não gosto da solidão, mas escolho tê-la,
não por desejo, mas por proteção.
Se me fecho nessa bolha imensa,
é para que ninguém sinta o peso que carrego,
para que ninguém se perca onde já estou perdido.

E talvez, aqui dentro, o tempo passe devagar,
ou talvez eu passe a vida inteira sem notar,
preso na transparência dessa redoma,
vendo o mundo, sem jamais tocá-lo.
Na hora que o sopro quebrou meu telhado
E a enxente ensopou meu piso
Choveu dentro de minha casa
E meu livros ficaram completamente inundados

Meu lar se tornou o oceano
mergulhei de pronto em suas profundezas
à procura do tesouro que caíra do galeão pirata
A pressão estava prestes a estourar meus tímpanos

A luz aos poucos deixava de alcançar meus recintos
Somente o tato...
áspero, cego, surdo e amargo
poderia reconhecer o baú encantado

Roubei o fôlego de uma bolha escondida abaixo de uma pedra
Já sou um náufrago perdido e intocável pela superfície
Pra quê me serve qualquer tesouro agora?
Mistico Mar 9
Sê gélido como jamais foste,
até que teu peito não mais pulse,
pois o amor não te pertence—
ele vem para dilacerar, para ruir,
para provar que é dádiva aos outros,
mas maldição para ti.

Não há luz em teu ser que possa iluminar,
pois tua essência jaz congelada,
tão vasta e impenetrável
que nem mil sóis a derreteriam,
nem mesmo a fúria de uma explosão atômica
romperia tua fortaleza de gelo.

Sê apenas passagem, um vulto, um nome,
nada além de um sopro efêmero.
Não almejes mais do que isso,
pois não há proveito algum em querer.
As gentes não te amarão pelo que és,
mas pelo que tens,
e se nada tens, serás o nada diante delas.

Refugia-te em tua bolha,
ergue muros contra tudo o que existe,
mais sólidos que a própria matéria,
mais impenetráveis que a razão.
Sê apenas pensamento,
ou quem sabe nem isso.

E quando o destino vier com suas chamas,
tentando derreter tua couraça,
não te enganes:
não é ilusão, mas sim prova,
um eco do tempo sussurrando
que, talvez, apenas talvez,
o frio seja tua única verdade.

— The End —