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Enquanto sofre
porta-voz dos desmazelos
diz que povo está perdido
e a modernidade em desespero

Quando em mágoas
pranteia os olhos
e a Deus sem crer
diz maldizeres

Quando em desamores
desgovernada mão em acidente
indiferente assume o posto
batendo uma ilusão

Quer dizer de si
mas diz de todos
Assumindo como pública
a voz da solidão

e para si sem mais ninguém
que a dor sem causa leva a crer
engendrado num quarto sujo
da sujeira de seu corpo
e da imundície a sua alma
faz ao mundo o seu retrato
Na minha parede branca
tem uma mancha
sujeira qualquer
que não sei donde vem
mas é só uma mancha
que passa desapercebida
que nos momentos de depressão é meu acalanto
esperando que o pintor
daqueles de parede
quando eu for vender minha alma
vá pintar essa parede suja
para que o futuro empreendedor imobiliário
faça um bom negócio
e ninguém nunca vai saber
pois a ninguém interessa saber
se tinha essa mancha
na minha parede branca
recônditos respiros
rebuliços arredores
vasos sanguíneos
vozes coléricas
grita o enfermo
sem remédio
sem cura
Um quadro preto
Um naufrágio
O beija-tomadas
Entrou com pressa pela porta
Parece mosca
Mas é pássaro
Assobia toda hora
Aproximou-se do interrutor
beijou
220 voltz
Carregando...
Agora está mais acelerado do que nunca!
Vamos?(...) Produzir bens materiais...
Há que se fazer mais!
O quê? Mais bens materiais?
Mais!
Está satisfeito?
Mais!
Foi tudo bem feito?
Mais!
Produto perfeito?
Mais!
Captou o conceito?
Mais!

Vamos?(...) Produzir bens materiais...
Há que se fazer mais!
O quê? Mais bens materiais?
Mais!
O quê dói em seu peito?
Mais!
Onde está o respeito?
Mais!
Quem é o suspeito?
Mais!
Aonde foi o sujeito?
Mais!
Nas ruas
Na selva de pedra
Uma poeira preta
Entra pela janela
A velha varre o chão
Seu filho cospe
e lá mesmo bate as cinzas do cigarro
Com seus dedos de alcatrão
Tosse Tosse
Coff Coff - pigarro
O quadro da parede tem
uma casinha na fazenda
A televisão da parede tem
alguns atores na fazenda
A caixinha de vidro tem
uns peixinhos no aquário
A cama da fazenda tem
uma colcha de retalhos
A caixinha de vidro tem
um trabalhador adormecido
A rua de ladrilhos tem
muitas lojas de tecido
A velha da rua tem
pegado muitas tiras
A velha caipira tem
retalhos de caxemira
A velha da cidade tem
medo de arrastão
A velha da piraquara tem
medo do cramunhão
O homem de vidro tem
medo de se quebrar
O homem divino tem
medo de se ausentar
O homem ultramarino tem
medo de não voltar
O homem saturnino tem
medo de não chorar
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