Submit your work, meet writers and drop the ads. Become a member
O Jun 18
Chora, música da minha vida —
Em ti amei, mesmo entre dores...
— Tão perdida, tão perdida...
E aos defuntos deste de comer as flores.

Chora, aurora da minha vida!
Sou uma encarnada contradição...
— Tão perdida, tão perdida...
Desatando os elos da criação!

Morte alada, espero nos confins —
Vida perdida, meu desespero...
Castelos, masmorras de jasmins —
Nem por Deus, nem por ninguém mais espero!

Quero morrer assim — num canto qualquer
De um mundo só meu, inteiro.
Quero ser o que Deus não quer:
Morrer para sempre — e ser o derradeiro!

Quero morrer na luz do instinto,
Vagos ao longe dos assomos passageiros.
Quero ser, para sempre, indistinto —
Luz e sombra dos meus luzeiros...

Chora, aurora — para sempre — a minha vida!
Chorem os palhaços nos pedestais da crença!
E, por fim — tão perdida, tão perdida...
Minha vida seja a musa da Indiferença.
Inspired in Álvares de Azevedo.
O Jun 15
No gineceu ******* da ânsia,
Sondo o céu no vazio do nada.
Vejo a vida — sua arrogância —
Seduzindo a morte alada.

Na noite escura da alma, eu bato
As portas de mil apriorismos,
Que fluem em mim — caos exato —
Como ecos de antigos abismos.

Encéfalo aceso! — dualidade:
Treva e luz em feitiços dispersos.
A vida, com sua ingratidão e vaidade,
Me reduz aos pensamentos mais perversos.

Quero correr, ir para o inferno,
Parir um deus do meu espelho.
Açoitar o meu diabo eterno
E perdoá-lo no mesmo joelho.

Eternas ruínas do pensamento
Ecoam entre cruz e alvorada.
Sou fuga, início e esquecimento,
Sou a última e a primeira jornada.

Morrer na cruz da realidade,
Beber a tristeza que não se destrói —
Sentir cravada, na eternidade,
A saudade... de algo que nunca foi.
O Jun 11
Dá-me o silêncio de uma eterna primavera
Onde o mundo morreu primeiro
Antes de eu ser eu.

Dá-me uma luz que jamais se viu
Onde o pensamento floresceu no seio do nada
Onde tudo não são mais que fadas
Cantando clarins e rimas desconexas
Em um mundo que jamais nasceu

Dá-me a vida como o fim do infinito
O epitáfio onde Deus morreu.
Dá-me flores que não dizem nada
Porque já foram tudo.

Dá-me um eu renovado,
Além de todo o mar,
Além de toda a ilusão,
Além de toda comunhão,
De ser tudo e ser nada.

Dá-me um suspiro na escuridão da luz,
Dá-me um mundo que seduz,
Todo o meu ser.

Dá-me o Todo abaixo de mim,
Dá-me o perdão dos meus diabos.
Dá-me tudo o que não se conhece,
E foi contado somente à mim.

Dá-me um Deus.
Dá-me tudo sem ser nada.
O 5d
No abismo imenso da alma, vou subir,
Com asas negras, rindo da tormenta.
Minha desgraça é livre, e me sustenta
O ódio imenso que me faz sorrir.

Sou carnaval do caos a retinir,
A dança insana que jamais se ausenta.
Meu pensamento é chama que atormenta
A própria luz que insiste em me seguir.

Do céu ao inferno, sou contradição,
Um deus bufão, herético e profundo,
Que busca em si sua revelação.

Em cada verso, um rito moribundo,
Desvendo o fim da eterna exegese:
Meu ser, meu caos, meu riso moribundo.
O Apr 5
Sob o manto ruído de um Deus ausente
Lateja a angústia, febril e fria
Vértice roto de um tempo doente
Onde o pranto apodrece em agonia.

O pulso clama, veias em flor,
Rios carmim a tingir o abismo
Cada corte um verso, cada dor
Uma elegia ao próprio exorcismo

O silêncio sangra, grita, ecoa
Voz de um mundo que nunca existiu
E a carne, espectro que a morte entoa
É ruína viva de um céu senil

A lâmina é dócil, quase divina
Traça epitáfios na pele em brasa
E o sangue, relíquia de dor vespertina
Brota insepulto, sem cruz, sem casa

Mas há um horror pior que o fim
Seguir exangue, inerte, inerme
Ser o cadáver dentro de mim
E nunca, jamais, estar realmente em morte.
O Jan 8
Convém a nós, os seres da imortalidade,
preteridos pelo descaso do mundo,
crer que eu sou um Deus único.
Não como esses que passam na tela dos pensamentos. Nem os que se prefiguram para fora de si, tendo tomado a sua parte do todo e se satisfazendo com o infinito.
Eu não me satisfaço com nada. Mas antes de encontrar o meu nirvana, eu abdiquei do tudo.
Sou um mestre do paladar, na miséria ou no banquete, eu sempre tenho sede de algo por provar.
Eu fecho as portas da contradição, e as abro novamente quando eu bem entendo, mas uma contradição nunca é uma contradição sem os seus dois lados, – dos quais eu sempre fiz o serviço de unir em mim como uma palavra suprema, a síntese, a afirmação e a negação e todos os seus contrários.
Certamente eu estou morrendo como alguém que nunca teve vida, mas eu teci nas cadeias de meu ser, o meu incólume e supremo apriorismo injustificável... Começa aqui, e não termina nunca. Como um Deus único eu me encontro, alheio a verdade de meu próprio ser! O todo balança para lá e para cá, como um pêndulo, e eu escolho pra que lado vou. Verdade negada ou afirmada, tanto faz, há sempre algo onipresente em tudo. Nem o todo, nem em mim, nem no mais longínquo canto do infinito, nem dentro ou fora, tudo se abre para algo inexplicável, ainda que um milhão de vezes explicado: – eis a vida!
Não tenho nada. Sou tudo, sou nada. Nem oposto nem contrário. Sigo, e a hora foge vivida... Amém. Além...
Inspired in A. Schopenhauer.
O Dec 2024
Do alto do paradoxo, o ***** vulto
Se parte em sombras num degredo oculto,
Trazendo harpejos de verdades vãs —
Elegia fatal de cultos e manhãs.

Invoca aforismos de amarga discórdia,
E passa, impiedosa, a vida sem glória,
Sorvendo caminhos sem paz nem memória —
Bruxa do acaso, em trágica história!

Como um barquinho de papel a afundar,
Vai-se a ilusão que eu tentei resguardar,
Afoga-se o último gesto a indagar
Nos restos do peito que ousou amar.

Ó quimeras do assombro, deixai-me em vão!
Cansado, resisto na escuridão,
Sou vão eterno, um eco em dialeto,
Preso aos grilhões do silêncio inquieto.

Cantais a ingratidão como harmonia,
Enfada-vos a mais sutil poesia —
Mas eu sou supremo, imagem final,
No abismo sem nome, verbo sem sinal!
O 5d
Deuses riem em linho envoltos,
Brincam nos céus, com gestos soltos.
O carrossel gira sem razão,
No eterno mundo da criação.

Gira e gira, vai ao zero,
Ao infinito, cego e sincero.
E lá do alto, o que reluz
É o olhar mudo de uma cruz.

O omnipresente tudo vê,
Mas cala o caos de cada fé.
Então os deuses, na ilusão
De sua eterna compreensão,

Nos limitam, sem pudor,
Em cada gesto, em cada dor.
Pensar, sentir, falar, agir —
Tudo é norma a se cumprir.

E seguem rindo, feito crianças,
Brincando além das esperanças.
Montam cavalos gastos, cansados,
De madeira e sonhos rachados.
O 5d
Ainda sou ontem, espasmo em flor,
Perfume denso de antigo ardor.
Sou voz que canta em noite extrema,
Silêncio nu que não se tema.

Sou curvas vivas rumo ao sem-fim,
Luxúria rubra que nasce em mim.
Sou grito surdo, visão que tremia,
Fuga e sonho em agonia.

Sou sempre agora no espaço presente,
Vácuo pequeno, fim iminente.
Sou passo nu no jardim do além,
Andarilho que busca o que vem.

Sou emanação de um mito escondido,
Mistério oculto jamais vencido.
Sou longe, limite, sou mesmo o fim,
Extremo gesto que arde em mim.

Sou hoje febre, poética chama,
Raiz do líquen que a dor inflama.
Sou litígio, pecado, asas sem chão,
Sou abstração em combustão.

Sou o viajante em sombra e luz,
Platônico eco que me conduz.
Símbolo, signo, lenda perdida,
Sou o enigma que dança a vida.

Ainda sou ontem, voo do futuro,
Vício que sangra em plano obscuro.
Transcendência entregue à musa silente,
Consciência do eterno e ardente.

Sou renascer, sou brilho disperso,
Translúcido caos em verso reverso.
“...& em tudo há profecia se sou eterno” —
Sou chama errante no verbo moderno.
O Dec 2024
Mil eclipses de sandice eu trago,
Nos sonhos de um mundo sem alento.
Três, quatro, cem mil sóbrios do estrago,
Despindo os deuses do firmamento!

Rasgo o véu do demiurgo aziago,
Derrubo mitos com meu pensamento.
Sou vendaval, ironia, presságio —
Rindo do caos em meu sacramento.

Crê em mim — no assombro que há de vir!
Nas mancebias do reino interior,
Faço o Deus do Todo sucumbir
E coro o Nada com meu esplendor!

Meu nada é verbo, é solilóquio forte,
Que vence o ser com voz sem dono.
Antes de homem, fui verme e morte —
Agora sou matéria em abandono.

Sou lâmpada viva no escuro caminho,
No tropismo ancestral do universo.
Arlequim que tece o credo em desalinho,
Vestido da epifania do verso!
O Dec 2024
Canta, esplêndida sonata,
O desvario do universo adverso.
E rima, e da alma desata
Meu único e exilado verso.

Tremi nas aras da tristeza,
Nos véus de mil entardeceres...
Despi-me, nu, na profundeza
Dos abismos entre os seres.

Sou rei, e sou mendigo,
Nada sou sem meu ser.
Não sei mais o que eu digo:
Sou o infinito a se desfazer.

Flores do nada, no tudo brotando,
Como verdades que não se dizem.
Sou a soledade, sempre chorando,
Nos delírios que me desdizem.

Sou forma ambígua e inexata,
Sou negação da afirmação.
Em mim, tudo morre e se desata —
Coroa de espinhos da desilusão.

Esplendor ***** dos desonrados,
Na sombra de vasos quebrados.
Shevirat ha-kelim sangra em mim —
Pinto o mundo de carmesim.

Eis a eterna confabulação:
Minha alma, estranha e partida,
Pisoteia com indignação
As uvas ilusórias da vida!

— The End —