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O 4d
Andar neste jardim de ossos frios
É como andar no Éden dos desvios.
O gosto de chumbo, antes tão cruel,
Agora é doce como mel.

As chibatadas viraram carinho,
Afagos quentes no meu caminho.
O casebre podre, em seu desespero,
Virou castelo nobre e verdadeiro.

Meu quintal lamacento, sem cor,
É hoje um pomar cheio de flor.
Já não me envergonha a mão calejada,
Sou cavaleiro, alma encantada!

Anjo! Ó musa de brilho encantado,
Me salvas do abismo tão devassado!
Mas por que sempre tens de partir?
E uma nevasca vem me consumir...

Não importa se tu vais embora,
Te procuro na noite, toda hora.
E hei de te ver, mesmo em delírio,
Nas garrafas ocas, no vinho lírio.

Melhor chegar ao fim da caneca,
Do que cair na cova seca.
Se há um deus, escuta meu lamento:
Deixa que eu vague por todo momento!

E se há um diabo nesse rincão...
Rogo: não me derrubes ao chão!
Só tenho um nariz nesta jornada,
E ele sangra a cada risada.
O 4d
Ainda sou ontem, espasmo em flor,
Perfume denso de antigo ardor.
Sou voz que canta em noite extrema,
Silêncio nu que não se tema.

Sou curvas vivas rumo ao sem-fim,
Luxúria rubra que nasce em mim.
Sou grito surdo, visão que tremia,
Fuga e sonho em agonia.

Sou sempre agora no espaço presente,
Vácuo pequeno, fim iminente.
Sou passo nu no jardim do além,
Andarilho que busca o que vem.

Sou emanação de um mito escondido,
Mistério oculto jamais vencido.
Sou longe, limite, sou mesmo o fim,
Extremo gesto que arde em mim.

Sou hoje febre, poética chama,
Raiz do líquen que a dor inflama.
Sou litígio, pecado, asas sem chão,
Sou abstração em combustão.

Sou o viajante em sombra e luz,
Platônico eco que me conduz.
Símbolo, signo, lenda perdida,
Sou o enigma que dança a vida.

Ainda sou ontem, voo do futuro,
Vício que sangra em plano obscuro.
Transcendência entregue à musa silente,
Consciência do eterno e ardente.

Sou renascer, sou brilho disperso,
Translúcido caos em verso reverso.
“...& em tudo há profecia se sou eterno” —
Sou chama errante no verbo moderno.
O 4d
Deuses riem em linho envoltos,
Brincam nos céus, com gestos soltos.
O carrossel gira sem razão,
No eterno mundo da criação.

Gira e gira, vai ao zero,
Ao infinito, cego e sincero.
E lá do alto, o que reluz
É o olhar mudo de uma cruz.

O omnipresente tudo vê,
Mas cala o caos de cada fé.
Então os deuses, na ilusão
De sua eterna compreensão,

Nos limitam, sem pudor,
Em cada gesto, em cada dor.
Pensar, sentir, falar, agir —
Tudo é norma a se cumprir.

E seguem rindo, feito crianças,
Brincando além das esperanças.
Montam cavalos gastos, cansados,
De madeira e sonhos rachados.
O 4d
No abismo imenso da alma, vou subir,
Com asas negras, rindo da tormenta.
Minha desgraça é livre, e me sustenta
O ódio imenso que me faz sorrir.

Sou carnaval do caos a retinir,
A dança insana que jamais se ausenta.
Meu pensamento é chama que atormenta
A própria luz que insiste em me seguir.

Do céu ao inferno, sou contradição,
Um deus bufão, herético e profundo,
Que busca em si sua revelação.

Em cada verso, um rito moribundo,
Desvendo o fim da eterna exegese:
Meu ser, meu caos, meu riso moribundo.
O Jun 18
Chora, música da minha vida —
Em ti amei, mesmo entre dores...
— Tão perdida, tão perdida...
E aos defuntos deste de comer as flores.

Chora, aurora da minha vida!
Sou uma encarnada contradição...
— Tão perdida, tão perdida...
Desatando os elos da criação!

Morte alada, espero nos confins —
Vida perdida, meu desespero...
Castelos, masmorras de jasmins —
Nem por Deus, nem por ninguém mais espero!

Quero morrer assim — num canto qualquer
De um mundo só meu, inteiro.
Quero ser o que Deus não quer:
Morrer para sempre — e ser o derradeiro!

Quero morrer na luz do instinto,
Vagos ao longe dos assomos passageiros.
Quero ser, para sempre, indistinto —
Luz e sombra dos meus luzeiros...

Chora, aurora — para sempre — a minha vida!
Chorem os palhaços nos pedestais da crença!
E, por fim — tão perdida, tão perdida...
Minha vida seja a musa da Indiferença.
Inspired in Álvares de Azevedo.
O Jun 15
No gineceu ******* da ânsia,
Sondo o céu no vazio do nada.
Vejo a vida — sua arrogância —
Seduzindo a morte alada.

Na noite escura da alma, eu bato
As portas de mil apriorismos,
Que fluem em mim — caos exato —
Como ecos de antigos abismos.

Encéfalo aceso! — dualidade:
Treva e luz em feitiços dispersos.
A vida, com sua ingratidão e vaidade,
Me reduz aos pensamentos mais perversos.

Quero correr, ir para o inferno,
Parir um deus do meu espelho.
Açoitar o meu diabo eterno
E perdoá-lo no mesmo joelho.

Eternas ruínas do pensamento
Ecoam entre cruz e alvorada.
Sou fuga, início e esquecimento,
Sou a última e a primeira jornada.

Morrer na cruz da realidade,
Beber a tristeza que não se destrói —
Sentir cravada, na eternidade,
A saudade... de algo que nunca foi.
O Jun 11
Dá-me o silêncio de uma eterna primavera
Onde o mundo morreu primeiro
Antes de eu ser eu.

Dá-me uma luz que jamais se viu
Onde o pensamento floresceu no seio do nada
Onde tudo não são mais que fadas
Cantando clarins e rimas desconexas
Em um mundo que jamais nasceu

Dá-me a vida como o fim do infinito
O epitáfio onde Deus morreu.
Dá-me flores que não dizem nada
Porque já foram tudo.

Dá-me um eu renovado,
Além de todo o mar,
Além de toda a ilusão,
Além de toda comunhão,
De ser tudo e ser nada.

Dá-me um suspiro na escuridão da luz,
Dá-me um mundo que seduz,
Todo o meu ser.

Dá-me o Todo abaixo de mim,
Dá-me o perdão dos meus diabos.
Dá-me tudo o que não se conhece,
E foi contado somente à mim.

Dá-me um Deus.
Dá-me tudo sem ser nada.
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