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Mariana Seabra Mar 2022
A realidade é fácil de controlar.


Acordar, tomar banho, tomar o pequeno-almoço, sair para a escola ou para trabalhar, executar tarefas, conduzir, carregar neste botão, carregar naquele, tomar um café, fumar um cigarro, fazer isto ou aquilo, adormecer, acordar e repetir…o meu corpo já faz mais de metade em piloto automático, o que é ótimo, deixa-me mais tempo para viver a minha realidade, dentro da minha cabeça, onde a real ação acontece e se desenrola, onde não há tempo nem espaço, onde sou livre e ninguém me controla.



Por vezes, fico genuinamente chateada com as pessoas quando elas me interrompem e me tiram do meu mundo mais profundo. Não é culpa delas. Elas não sabem que estou a viver noutro mundo.



Encontro-te a toda a hora no meu mundo, que quase me esqueço que não te encontro na realidade.



Por vezes, estou de olhos abertos mas não é neste mundo que estou a viver. Falo contigo e consigo ver-te nitidamente, consigo viajar até ti sem ter de me mover. O meu corpo acompanha, não sei como, tem reações físicas espontâneas que o começam a atravessar.



Por vezes, arrepio-me exatamente onde imagino que me estás a tocar. Olho para o braço e sinto um toque que o explora. Olho para a minha mão e ela está a entrelaçar-se no vazio, com o polegar a percorrer o nada, esse nada que já foi algo outrora.



Por vezes, sinto cócegas na cara, onde o teu cabelo já esteve pousado. Depois, inconscientemente, vou a tentar afastá-lo para conseguir olhar para ti…e é mais um momento fracassado, porque abro os olhos e estou sozinha, não te tenho ali, onde deverias estar, ao meu lado.



Por vezes, estou no escuro, de olhos bem abertos e, apesar de não haver um único raio de luz, consigo ver tudo à minha volta, vejo a silhueta que me seduz. Sinto uma respiração junto à minha, o ar fica mais pesado, mais quente e, consequentemente, logo sinto o coração acelerado. Não me mexo. Não me posso mexer. Não quero que te assustes e saias a correr…então, assim fico.



Por vezes, estou de pé na varanda, encostada à parede, de olhos fechados, com a cara diretamente voltada para o sol e, de repente, apanho-me a sorrir. Já sei! Já sei que vens ter comigo...ou será que nunca chegaste a partir? Sinto um peso a encostar-se a mim, também de cara voltada para o sol e, claro!, não consigo evitar sorrir. Encosto a minha cara com cuidado, sinto duas peles em contacto e é quente! ardente, exatamente onde elas se tocam.



Quando me apanho de novo, estou com os braços em redor de algo. O meu corpo físico acompanha e tira as medidas certas do meu pensamento. Abraço o peso que se apoiou em mim e, não me mexo, fico paralisada com tanto sentimento. Não me posso mexer. Não posso perder este momento…

Mas não está lá nada.  



E quando a minha mente consciente se apercebe disso, rouba-te de mim.


Enfim...
Consegue ser cruel! É tão cruel. Que consciência é esta que não tem consideração por todo o amor que depositei naquele momento, para que ele existisse, mesmo que noutro mundo? E por todo o amor que foi necessário para o manter vivo, mesmo sendo realisticamente impossível eu o estar a viver? Bem dizem os outros que amar é sofrer...



Deixem-me ser inconsciente!



Sinto cheiros, ouço vozes, leio pensamentos que não são meus, toco no ar que me rodeia como se não fosse apenas isso, ar, e continuo aqui para me questionar, será que ainda estou dentro dos parâmetros da sanidade ou já me perdi em todos e não há volta a dar?



Mas seja como for,  

Deixem-me estar!

Por mais que pareça perdida, a quem não sabe sonhar, não preciso de ninguém que me venha tentar encontrar.
Cláudio Costa Feb 2023
Visão cega dum vão cultivar,
Anseio que derrama, ***** e mudo,
Ao longe o vislumbre de ti a passar
Escorre de mim sedento, sem ar,
A drenar lento por um canudo
sob um ser que finge ser,
ser que sabe fugir
mas não sabe desprender;
Ser que não serve para sentir,
mas sente para viver.

Já não sei seguir sem par
a cruzar rotas noutros trilhos
O fulgor do teu olhar,
por mais que o queira cuidar
vai cruzando noutros brilhos.
Indício que vem num tumulto agudo
Pulsar de veia que me assalta,
espreita o clarão pelo canudo
e a luz escorre na tua falta.
Sai de mim, por tudo te peço;
Sai de mim, mas não me leves
e deixa durar os dias breves,
assim que saias verei se os esqueço.
Sai de mim, mas leva a saudade
E deixa-me noutra realidade
Uma na qual não te conheço.

Memória reclusa, cativo tesouro
de fios mognos no sol louro,
Risos soltos em cabelos revoltos,
Imagem tua, miragem de um ser
que em quietude à distância
me dá ânsia de te ver.
Ecoa a afastar e prende-me ao chão,
Semeia desígnios num solo a vagar,
Curva-se e colhe sombras em vão.

Nado no rio que corre sem dor,
que é meu e finda num mar interior
Estou aqui, estou agora
Espreito-me de dentro para fora,
Vejo a eira a cultivar,
Trago grãos p'ra semear,
a visão cega fixa-se perto
E desvanece a clarear
um amanhã sempre incerto,
sempre brumoso a se esboçar.
¯\_(ツ)_/¯

— The End —