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Lugar cativo
Onde me deito cativante
E abro a gargante e choro.
Nao darei mais o Tempo
Nem reconciliarei menos o perdao.
Somos os dias contados pelos dedos
E quanto menos tenho menos quero ter.
Frio com febre estou
Doente dos ossos, raspando-os
Ate ao po se extinguirem
e absorvo-os pela narina mais próxima
Directo ao cérebro que me permiti vender
Indirecto ao coração que morto 'e aos poucos.
Faca de dois gumes afiada na pedra
E enrolada no peito cada dia mais,
Milimetro a Milimetro
Para que a dor seja minuciosamente
Mental.
Fatal.
E da paisagem verdejante
Onde passeio as pernas pesadas
Do chumbo das balas perdidas,
Com que te matei,
Absorvo o bicho por entre o jardim
E a natureza para mim nao 'e mais
Que o conteúdo do bolo que cozinhei
Para esquecê-lo.
Cativo ligar
Que permaneço cativa
Húmido que me constipa os dentes
Como a agua gelada com que tomo banho
E nem assim acordo.
Não sei se esta Dor caberá
nas milhares de palavras que defecarei
Ate este dia tardar
E a minha vida por fim, acabar.
Não 'e de minha dor que escrevo,
'e a tua que me percorre este sangue anémico.
Consideras-te feliz que nem um porco
Que na lama chafurda a couraça.
E eu com esta dor de costas do peso
De trazer o Mundo nos bolsos
E por cada morte que deus padece
Um sopro no coração me oferece.
Dor, dor, dor, dor, dor, dor
Qual Jesus Cristo, o redentor.
Dizer que tenho saudades tuas, agora
é uma espécie de mentira coberta com um pano de linho
Tenho somente saudades do que era antes de Ti
E isso é a cruz que carrego
Vincada e afiada que se pôs as minhas costas
E se me mexo me corta em dois
Como carne fina do talho gourmet
Comparação inadequada, eu sei
Mas a única que penso agora, que sou estreita.
Por vezes olho para o relógio, e já nem contando as horas
Reparo nas datas, extensas
Dou por mim a ver um mês
E no momento a seguir, o olho
E vejo dois meses, a correr
Pergunto-me se estou louca ou simplesmente
Exausta
O tempo deixa de ter nexo e o Mundo fica pequeno
Os dias passam como se não tivessem vida
E em vez de correr, existo
Durmo ao Luar e ao Sol
Como se tudo se tratasse do mesmo
Do sonho
Do sono
Explicar-te porque sinto saudades tuas, agora
é uma espécie de firmamento do caminho insano que percorro
Tenho somente saudades do Tempo que parava
Quando nos teus braços respirava
Sossegava
E agora não tenho sangue suficiente para estancar a ferida
Dura, profunda, dolorosa
Como os pés que piso
Que não são meus.
Mariana Seabra Mar 2022
Deixo de herança todos os pensamentos

Perdidos ao luar,

Escritos na página invisível da vida,

Impossíveis de partilhar.



Deixo de herança todas as garrafas,

Que esvaziei e pousei à beira-mar,

Com uma carta escondida lá dentro,

Incógnita ainda por entregar.



Deixo de herança todo o fumo,

Que compulsivamente inalei

Para tentar matar a doença

Da qual nunca me curei.



Deixo as pegadas na areia,

Que rapidamente se apagaram.

Marcas da efémera passagem dos seres

Que por mim passaram.



Deixo de herança o sol de inverno,

Tão apreciado por toda a gente.

Desejo que aqueça as almas frias,

Que não deixe ninguém indiferente.





Deixo de herança o incenso

Que nunca acendi.

Espalhado pela brisa,

Como qualquer cheiro que senti.



Deixo de herança toda a música

E cada marca que deixou.

Atenciosa companheira,

Que tantas vezes me salvou.



Deixo de herança o rio,

No seu mesmo exato lugar.

Lembrança eterna que existe um sítio seguro

Para onde o desespero nos pode levar.



Deixo de herança a pedra afiada,

Que me esculpiram no lugar do coração.

Memória da crueldade no olhar

De quem a infância me roubou.



Deixo ligadas as luzes da aldeia,

Que me abrigaram no solitário berço.

Agarro o impulso que me levou à procura

De tudo o que ainda desconheço.

  



Deixo de herança em papel amarrotado,

Algum sangue que derramei.

Lágrimas, cicatrizes e o fardo,

De ser tão brutalmente consciente

De tudo aquilo que sei.



Deixo de herança o meu amor,

Sorrisos, abraços e essências,

Partilhadas no pôr-do-sol.

E que nesta viagem de turbulências,

Repares na simplicidade do sentimento

Que achaste saber de cor.



Deixo de herança uma moeda,

Ao pedinte que conheci

E que nunca a chegou a gastar.

Esqueceu-se que para a salvação da vida

Não há dinheiro, nem há fornecedor

Onde ele a possa ir comprar.



Deixo de herança o pássaro branco,

Que ainda não se atreveu a pousar.

Canta mais alto a cada Primavera,

Só para me relembrar,

Que as raízes são uma ilusão

Criadas por quem não as consegue descolar.





Deixo de herança duas mãos quentes,

No peito frágil de uma criança,

Que nasceu órfão de mãe

E cresceu sem esperança.


“Nas noites escuras que te abraçam.

Nos dias cinzentos a que te entregas

Que sintas neste aperto a mensagem

De toda a força que carregas.”




Deixo de herança este poema,

Escrito num sonho que se entranha

E do qual nunca acordei.

Vem…

Traz o mapa que queimei.

E encontra-me para lá da montanha

Onde também eu me encontrei.

— The End —